Não só por determinados momentos na trama, mas por situações dramáticas que estão no conjunto geral da obra, podemos dizer que Lições Para Toda a Vida tem semelhanças com Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas, de Tim Burton. Ambos os filmes (como tantos outros), trazem como sugestão moral, entre vários detalhes, a idéia de que a ilusão e a fantasia são tão essenciais ao homem, na formação da personalidade e do caráter, quanto a verdade e os fatos concretos. É uma idéia ao mesmo tempo questionável e de charme inegável, que no filme de Burton (superior a Lições), ganha contornos bem mais complexos.
Só que em Lições Para Toda a Vida esta aposta na fantasia (mesmo que não brilhante por completo), bem como alguns pequenos detalhes, tais como certas cenas de fluência interessante na primeira metade da narrativa, tornam o que era sugerido pela sinopse e pelo trailer numa obra final melhor do que a esperada. Afinal de contas, a história de um adolescente (Haley Joel Osment, o agora crescido menininho de O Sexto Sentido) que vai passar uma temporada com uma dupla de tios ranzinzas (Michael Caine e Robert Duvall) no interior do Texas tinha tudo para ser uma narrativa cansativa. Daquelas que misturariam a pieguice de alguns dos chamados filmes de formação com a condescendência intelectual frente ao que seriam os caipiras ingênuos do Sul dos EUA, típica do imaginário do cinema norte-americano – em geral, o outro retrato oferecido da região é de antro de belicistas e/ou racistas e/ou furiosos e/ou apocalípticos, ranço talvez dos traumas da Guerra da Secessão.
O filme começa bem, com os créditos iniciais se desenrolando em forma de quadrinhos desenhados pelo guri já quando adulto (como atividade profissional), e que relembram a temporada que ele passou com os tios. O corpo narrativo se estrutura num duplo flashback, que traz as lembranças de adolescência do agora adulto, e dentro dessas lembranças, as histórias da juventude da dupla de tios contadas para o rapaz por um deles (Caine), de forma claramente ilusionista (para a platéia, que não tem como acreditar naquilo, e não para o guri, que se encanta com os relatos). Os fatos dentro dessas histórias acontecem como em um daqueles antigos seriados cinematográficos de aventuras passados no Oriente Médio, e essa opção pela fantasia acaba por suavizar o aparecimento mais evidente dos clichês, ao menos na agradável primeira metade do filme. Pena que da metade para o fim, o filme começa a fraquejar, como se o diretor-roteirista tivesse perdido a capacidade de fugir das armadilhas sugeridas pelo argumento central. O bom tempo de direção some, algumas cenas ficam longas demais, outras curtas demais, os flashbacks fantasiosos começam a dar lugar a outras situações, e os clichês emergem feio, como o uso cada vez menos interessante de uma trilha sonora chavão, estridente (de canções) e chatinha (temas instrumentais). Caine e Duvall, atores divinos, dão para a platéia o trivial fino que se espera de gente de talento como eles: atuações melhores que a maioria daquelas que vemos por aí, mas muito aquém do que eles já fizeram antes, em várias ocasiões. Já Haley Joel cresceu bem, continua com o mesmo olhar tristonho e expressivo. No todo, Lições, supera as expectativas, mas acaba por ser um filme apenas regular.
# LIÇÕES PARA TODA A VIDA (Secondhand Lions)
EUA, 2003
Direção: TIM MCCANLIES
Roteiro: TIM MCCANLIES
Produção: SCOTT ROSS, AMY SAYRES, COREY SIENEGA
Fotografia: JACK N. GREEN
Montagem: DAVID MORITZ
Música: PATRICK DOYLE
Elenco: MICHAEL CAINE, ROBERT DUVALL, HALEY JOEL OSMENT, KYRA SEDGWICK, NICKY KATT, JOSH LUCAS
Duração: 111 min
site: www.secondhandlions.com /