De todas as qualidades da Coleção Aplauso, lançada recentemente pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, a mais festejada tem sido o preço de venda: meros 9 reais cada livro, impresso em bom papel e recheado de fotos da vida e da carreira do artista retratado. Mas seria injusto falar apenas do preço. A iniciativa, coordenada pelo crítico Rubens Ewald Filho, oferece perfis objetivos e ao mesmo tempo pessoais de personalidades do cinema e do teatro, num curioso regime de colaboração com jornalistas especializados.
Assim é que Maria do Rosário Caetano editou o depoimento de João Batista de Andrade, Luiz Carlos Merten “perfilou” Anselmo Duarte, Rosane Pavam cuidou de Ugo Giorgetti, Marcelo Lyra esmiuçou o trabalho de Carlos Reichenbach. Na primeira fornada da coleção, saíram ainda volumes sobre as atrizes Ruth de Souza, Cleyde Yaconis e Irene Ravache, além do roteiro do clássico O Caçador de Diamantes (comentado pelo pesquisador Maximo Barro) e duas edições especiais sobre o ator Sérgio Cardoso (por Nydia Licia) e a TV Excelsior (por Alvaro de Moya).
Nos compactos volumes sobre cineastas e atores, os jornalistas tomam os depoimentos e os editam na primeira pessoa, como se fossem autobiografias. A fórmula já foi posta em prática exemplarmente no clássico Meu Último Suspiro, de Luís Buñuel, escrito com a colaboração de Jean-Claude Carrière.
Dos livros já disponíveis para venda, dois fogem à estrita observância dessas regras. João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias, de Maria do Rosário Caetano, parte de um inédito livro de memórias do cineasta, devidamente revisado e atualizado pela jornalista a partir de novas entrevistas. Trata-se de um perfil amplamente dominado pela atividade política, que com freqüência determinou as escolhas artísticas do realizador.
João Batista expõe-se com rara lucidez nas quatrocentas e poucas páginas do livro. Faz um auto-exame aguçado de sua carreira e personalidade, não hesitando em confessar dilemas pessoais, lances de ingenuidade política e dúvidas que continuam a persegui-lo após mais de quatro décadas de cinema e militância em partidos políticos, organizações clandestinas e associações de classe. Choques como a perda de referências após o golpe de 1964, a morte do amigo e colaborador Vladimir Herzog, a recusa à opção pela luta armada, os embates com a censura e os conflitos com colegas de profissão o conduziram a um isolamento que ele reconhece sem meias-palavras, mas com certa tristeza. João Batista não escamoteia alguma vaidade ao falar de sua obra cinematográfica, mas tampouco doura a pílula de um trajeto pessoal difícil e acidentado.
Sente-se falta, aqui e ali, de um maior detalhamento de seu trabalho com as imagens, especialmente no que diz respeito aos seminais documentários Liberdade de Imprensa e Wilsinho Galiléia. Em compensação, a leitura fornece chaves importantes para compreender o diálogo entre ficção e documentário que perpassa e engrandece sua obra, uma das mais injustamente excluídas das reflexões sobre o cinema brasileiro moderno. De alguma maneira, o livro repõe esses valores com perspicácia e honestidade.
O outro volume que escapa ao espírito da coleção é Carlos Reichenbach – O Cinema como Razão de Viver, de Marcelo Lyra. Não há a menor dúvida de que as histórias de Carlão são irresistíveis: os artifícios para contestar a linguagem bem-comportada no início da carreira, atitudes como a de liderar uma sublevação contra o produtor do filme e expulsá-lo do set, a prática da escassez como “minha escola de cinema”. Além disso, ele talvez seja o melhor analista de sua própria obra, construída à base de cinefilia obsessiva, citações galopantes e, ao mesmo tempo, uma busca incansável pela originalidade. Em suma, Carlão é fascinante em qualquer mídia.
Mas a delícia de rever sua filmografia é aqui conspurcada por um texto negligente, onde às freqüentes falhas de revisão se somam erros grotescos de português, grafias e datas equivocadas etc. A estrutura do livro também acarreta repetições, idas e vindas que não ajudam o leitor a perceber a inteireza da obra, além de um excessivo espaço dedicado à admiração que o jornalista nutre pelo cineasta.
Esse tipo de problema chama a atenção dos editores para a necessidade de um maior cuidado na finalização dos textos, para que não destoem do capricho que marca os demais aspectos da coleção.
Para o segundo semestre, aguarda-se o lançamento dos perfis de Fernando Meirelles, Carla Camurati, Jorge Bodanzky, Carlos Coimbra, Guilherme de Almeida Prado, Helvécio Ratton e Reginaldo Farias, entre outros.
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