Será que Almodóvar já saiu de algum festival carregando um monte de prêmios debaixo do braço e uma grande dúvida pública de ter sido premiado por ser gay. Por que este tipo de debate nunca se estabeleceu entre os críticos brasileiros, uma vez que temos vários cineastas gays, muito deles assumidos (graças a Deus!), com filmes que tocam na temática homossexual? Por que exatamente eu, um cineasta afro-brasileiro, vou ter que carregar esta dúvida até o espectador resolver se entra ou não na sala de cinema para conferir se o filme é bom?
Conhecendo bem o Brasil como conheço – como um afro-brasileiro que sempre tem de se defender racialmente - será que a tendência deste tipo de dúvida não é exatamente a confirmação do pré-conceito? A censura contra um filme para não ser visto pelo Brasil? Ricardo Cota viu o meu filme? Concorda ou discorda com o que saiu como opinião inicial do Rubens no JB? Acha que os atores e o diretor não mereciam os prêmios? Que o filme não merecia o prêmio da crítica? Que a crítica ao premiar o filme agiu também com a idéia de cota?Este é o verdadeiro debate que eu gostaria de ver apresentado de forma mais aberta e menos sofisticada.Continuarei as minhas perguntas?
Por que eu tenho que ficar na defensiva falando da qualidade do meu filme, ao invés de lançar dúvidas se faltou coragem do júri em premiar FILHAS DO VENTO por sua originalidade, e também por sua qualidade? Por que ser um mulatinho envergonhado,subserviente e agradecido, engolindo a vida inteira este tipo de atitude tão comum na sociedade brasileira? Será que a justificativa que assegura que o filme eleito era melhor “apenas por estar mais redondo”, talvez mais acabado, é o melhor critério de premiação? Um filme como o meu, rodado em 35mm com baixíssimo orçamento, mas com “n” qualidades que já tinham sido destacadas pela crítica de cinema em vários jornais do país, na sexta e no sábado, não deveria ser também elemento de observação do júri? Além dos outros méritos que estou seguro ter o meu filme, não deveria ser também uma atitude criativa realizar uma obra assim com tão pouco dinheiro?
Que a Helena Solberg me perdoe, não estou debatendo com ela, nem tampouco questionando as qualidades e beleza do seu filme. Mas faço questão de lançar as perguntas acima para ajudar o Brasil a pensar multiracialmente.Continuo perguntando.Será que a mídia que tanto criticou o Festival de Gramado por ter perdido o glamour por apresentar uma baixa cota de celebridades no seu tapete vermelho, em algum momento reparou que as celebridades e beldades do meu filme quase não apareceram nas fotos dos sites e das matérias divulgadas?
Que nem mesmo foram consideradas como celebridades, além de terem sido questionadas como estrelas? Será que alguns dos meus colegas cineastas que estavam na platéia do Palácio de Gramado ignoram que percebi os comentários maliciosos quando apresentei o meu filme com elenco negro pela primeira vez na noite de quinta? Por que os comentários elogiosos e empolgados de Lúcia Guimarães, no Manhattan Conexion, sobre a premiére do meu filme em NY a convite do MoMA, não serviu como alerta sobre o que poderia estar chegando em Gramado? Paranóia de Joel Zito Araújo? Ou será que o vírus inteligente do preconceito, de uma sociedade que insiste em afirmar que apenas o belo é branco, o inteligente é branco, a melhor representação da raça humana é o branco, não está atacando mais uma vez?