Críticas


UMA NOVA AMIGA

De: FRANÇOIS OZON
Com: ROMAIN DURIS, ANAIS DEMOUSTIER, ISILD LE BESCO
18.07.2015
Por Marcelo Janot
Ao tocar em temas pelos quais Almodóvar transita com autoridade, Ozon parece estar prestando um tributo ao cineasta espanhol, sem o mesmo talento autoral.

Com 15 longas realizados em um período de 16 anos de carreira, François Ozon é um dos mais prolíficos realizadores do cinema francês. Apesar do natural risco de altos e baixos para quem filma tanto e de ser frequentemente esnobado pela Cahiers du Cinema, ele conseguiu construir uma razoável reputação entre a crítica francesa. Seus filmes flertam com o cinema de gênero, seja com o thriller (“Swimming pool”, “Dentro da casa”), com o musical ( “8 mulheres”) ou com o drama (“Sob a areia”, “Jovem e bela”), e costumam ter em comum uma tensão sexual causadora de rupturas estruturais em famílias burguesas.

O roteiro de seu último filme, “Uma nova amiga”, é uma adaptação do conto “The new girlfriend”, da inglesa Ruth Rendell. Morta em maio deste ano, aos 85 anos, Ruth, que também utilizava o pseudônimo Barbara Vine, foi uma grande escritora de histórias de suspense e mistério, e cuja obra rendeu filmes como “Carne trêmula”, de Pedro Almodóvar, e “Mulheres diabólicas”, de Claude Chabrol.

Curiosamente, a adaptação feita por Ozon acabou amenizando o suspense presente no texto literário. O aceno ao thriller praticamente se resume ao instigante início de “Uma nova amiga”. O filme começa com imagens de Laura (Isild Le Besco) sendo maquiada e vestida como noiva – dentro de um caixão. Corta para discurso de sua amiga Claire (Anais Demoustier) no velório, entremeado por um flashback da trajetória da amizade simbiótica entre ambas, com direito a pacto de sangue e insinuações homossexuais, até o câncer que causa a morte precoce de Laura. O discurso termina com a revelação de uma promessa de Claire feita a Laura: iria passar o resto da vida cuidando do marido (Romain Duris) e da filha recém-nascida da amiga.

A expectativa de que a narrativa se concentrasse na obsessão gerada pelo estado de perturbação de Claire é quebrada quando ela vai visitar David pela primeira vez e o encontra vestido de mulher. A partir de então, o filme passa a ser sobre sua “nova amiga” e a relação das duas. O discurso melodramático do viúvo que quer se vestir de mulher para suprir a ausência materna de sua filha logo dará lugar ao tom cômico que acompanha a transformação de David em Virginia. Do momento em que ele desce a escada vestido como loura fatal de filme noir ao passeio no shopping (cuja cena parece extraída de comédias românticas como “Uma linda mulher”), fica claro o objetivo de gerar empatia no espectador para a opção crossdressing de David e sua relação com Claire.

Ao tocar em temas pelos quais Almodóvar transita com autoridade, Ozon parece estar prestando um tributo ao cineasta espanhol, sem o mesmo talento autoral. Por mais que a atuação de Romain Duris seja excelente, distante da caricatura, é nos momentos em que foca na ambiguidade emocional de Claire que o filme cresce. Mesmo sem conseguir atingir o mesmo grau de excelência de "Dentro da casa" na mistura entre a reflexão de cunho social e psicanalítico com o formato de thriller de suspense, o novo filme de François Ozon tem qualidades suficientes para ser considerado acima da média.



publicado originalmente no jornal O Globo em 17.07.15

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