Críticas


PEÕES

De: EDUARDO COUTINHO
25.11.2004
Por Luciano Trigo
DESFILE DE REMINISCÊNCIAS

Mais que um filme sobre Lula e seus colegas de luta sindical no ABC, Peões é um filme de Eduardo Coutinho. Fiel ao estilo que desenvolveu, o cineasta compõe mais uma vez um mosaico com depoimentos de pessoas desconhecidas. Agora, o que elas têm em comum é o fato de terem sido personagens das greves comandadas por Lula quando ele era metalúrgico e líder sindical, regendo as massas de forma carismática. É somente nessa condição, aliás, que Lula aparece em Peões, nas cenas extraídas dos filmes ABC da Greve, de Leon Hirszman, Linha de Montagem, de Renato Tapajós, e Greve, de João Batista de Andrade, que pontuam a narrativa. O fato de essas cenas do passado serem mais comoventes que as das entrevistas de hoje sugere que em algum momento Coutinho errou a mão.



A peculiaridade de ser apenas metade de um projeto – já que Peões é complementar a outro documentário, Entreatos, de João Moreira Salles – criou visivelmente algumas limitações, que se transformam em fraquezas. A própria ausência do Lula presidente é uma delas, já que não se estabelecem contrastes potencialmente interessantes entre os dois Lulas. Tudo bem, a intenção não era essa. Mas Peões fica confinado assim a um desfile de reminiscências de operários sobre a época heróica das greves. Isso torna o filme pouco ambicioso, o que não seria um problema se os depoimentos fossem de alguma maneira surpreendentes. Não são. Se havia a expectativa de que Peões trouxesse revelações sobre o homem por trás do mito Lula, esta é inteiramente frustrada, já que todas as entrevistas apenas reforçam o já sabido: que Lula sofreu, que Lula lutou, que Lula foi perseguido, que Lula não se curvou etc. O que justifica que ele seja hoje visto como um pai por seus colegas.



Coutinho privilegia, como sempre, os dramas pessoais de seus entrevistados. Aqui e ali aparece alguma declaração interessante de um ponto de vista sociológico, como a do operário que incorpora a lógica do patrão, ao afirmar que acidente de trabalho é motivo de vergonha e sinal de incompetência. Em outros momentos, os entrevistados caem de vez no clichê, como aquele que diz que o filho tinha orgulho de ver um caminhão com uma pecinha que ele produziu... São fragmentos que poderiam ser uma matéria-prima interessante para uma reflexão sobre os valores do operariado – que o filme não desenvolve, infelizmente. Outro aspecto, que Peões apenas arranha, é a da mudança radical do modelo produtivo brasileiro de 1980 para cá, com a substiuição dos postos de trabalho por máquinas e o esvaziamento do poder dos sindicatos, num cenário de flexibilização das relações de trabalho. A sociedade mudou, Lula mudou, a política mudou, mas Peões não vê nada disso, atendo-se a um registro passadista de coadjuvantes da História, que pouco contribui para uma interpretação original de nossa História recente.





# PEÕES

Brasil, 2004

Direção: EDUARDO COUTINHO

Produção executiva: MAURICIO ANDRADE RAMOS, JOÃO MOREIRA SALLES

Fotografia: JACQUES CHEUICHE, ABC

Som: MÁRCIO CÂMARA

Montagem: JORDANA BERG

Duração: 85 minutos

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