O título de Meu Tio Matou um Cara diz muito mais do que o ponto de partida de sua trama policial. Dá a chave para se entender o novo filme de Jorge Furtado como uma comédia feita a partir do ponto de vista subjetivo de um adolescente. No caso, Duca (Darlan Cunha), garoto negro de uma cidade sulina brasileira (filmada em Porto Alegre mas não especificada), inteligente e retraído, que compensa um relativo distanciamento da realidade à sua volta com uma capacidade de observação digna dos melhores detetives.
O projeto de Furtado consiste em trabalhar esse ponto de vista nos vários aspectos do filme: a narração off de Duca, as suposições visuais muito típicas de sua formação, o raciocínio assimilado aos processos da informática etc, mas principalmente o comportamento não estereotipado do jovem. Duca, Isa (Sophia Reis) e Kid (Renan Gioelli) oscilam entre a euforia e a apatia, a obsessão e a indiferença, de maneira às vezes desconcertante, como ocorre de fato com a molecada. Os diálogos, primorosos, refletem essa maré intermitente, que encontra sua graça justamente na incompletude. Os personagens adultos aparecem, então, como objetos das projeções dos jovens, em vez de peças dramatúrgicas sólidas e definidas. O tio Eder (Lázaro Ramos), pivô de um assassinato passional que pouco importa no fim das contas, funciona como matéria de especulações e alvo das atitudes de Duca e Isa.
A história policial está lá, como em O Homem que Copiava, mas o que guia o espectador são os comentários dos guris, como em Houve uma Vez dos Verões. Isso faz de Meu Tio Matou um Cara uma deliciosa combinação de ingredientes dos dois longas anteriores de Furtado, sem risco de repetição. O que se repete – ainda bem! – é a observação fina da comunicação juvenil, a quase impecável noção de ritmo, a habilidosa interação de textos e imagens, a direção simples que extrai o melhor de cada ator. Para este resenhista, o diretor fez aqui o seu filme mais engraçado, embora tenha no tio o único personagem cômico.
O roteiro não se mantém imune a alguns declives, sendo o maior deles a volta de Duca e Isa ao presídio para resgatar uma caneta Pokemón e o incidente que se segue numa parada de ônibus da periferia. Ali se percebe um volteio postiço para visitar um tema social que não se integra à proposta light do filme. De resto, a produção conjuga valores de mercado (atores famosos em papéis secundários, excelente trilha sonora de griffe) com talentos tradicionalmente vinculados à Casa de Cinema de Porto Alegre, num misto bem equilibrado de cálculo e autoralidade. O filme se vende sem trair seu espírito e suas origens.
# MEU TIO MATOU UM CARA
Direção: JORGE FURTADO
Roteiro: JORGE FURTADO e GUEL ARRAES, baseado em conto de JORGE FURTADO
Fotografia: ALEX SERNAMBI
Montagem: GIBA ASSIS BRASIL
Direção de arte: FIAPO BARTH
Música: ANDRÉ MORAES e CAETANO VELOSO
Produção: NORA GOULART, LUCIANA TOMASI, PAULA LAVIGNE, GUEL ARRAES
Som direto: ZEZÉ D’ALICE
Edição de som: LUIS ADELMO
Elenco: DARLAN CUNHA, SOPHIA REIS, LÁZARO RAMOS, RENAN GIOELLI, DEBORAH SECCO, DIRA PAES, AILTON GRAÇA
Duração: 83 minutos
Site do filme com as canções para ouvir: clique aqui