Dia desses, o canal a cabo Telecine Classic exibiu o precioso O Mundo Fabuloso de Billy Liar (1963), segundo filme do diretor inglês John Schlesinger (Midnight Cowboy), que conta a história de um jovem funcionário de uma funerária e aspirante a roteirista que vive num mundo de fantasias criado por sua imaginação para tentar aplacar a frustração com a vida ordinária que leva numa cidadezinha nos arredores de Londres. Não dá pra pensar em Billy sem lembrar de James Barrie, o criador de Peter Pan, personagem vivido por Johnny Depp em Em Busca da Terra do Nunca (Finding Neverland), de Marc Forster.
Além dos homens de imaginação fértil e da atmosfera de fantasia em meio a uma trama realista, os dois filmes guardam outro elo em comum: a atriz Julie Christie, na época com pouco mais de 20 anos de idade, no esplendor de sua beleza, roubando a cena num papel pequeno e preparando terreno para o Oscar de melhor atriz que viria três anos depois por outro filme de Schlesinger, Darling. No filme de Forster, Julie defende com louvor um papel nada simpático, o da avó autoritária. De Billy Liar a Finding Neverland, já se vão 40 anos, e as marcas do tempo estão nítidas no rosto dessa bela atriz, porque, afinal, ela não é Peter Pan.
Ao investigar de onde teria vindo a inspiração para o surgimento de um dos personagens mais fascinantes da literatura infanto-juvenil, estabelecendo analogias entre James Barrie e o próprio Peter Pan, Em Busca da Terra do Nunca nos mostra que a inexorabilidade do tempo jamais pode ser vencida, mas pode ser amenizada dependendo do grau de fantasia a que nos permitimos embarcar. E quem disse que viver pra sempre e eternamente jovem como Peter Pan é bom? O diretor australiano PJ Hogan já delineara os conflitos vividos pelo jovem morador da Terra do Nunca no surpreendente Peter Pan, o Filme, lançado ano passado, no qual Peter Pan não esconde sua frustração por ser “diferente” e ter que ficar longe de sua amada Wendy.
O principal mérito de Marc Forster, em Finding Neverland, é o de ter encontrado o preciso ponto de equilíbrio entre a fantasia e a realidade, entre a fábula e o drama pesado. Mesmo dispondo de toda a gama de possibilidades técnicas que o cinema oferece para dar asas à imaginação de alguém com a mente fértil como James Barrie, seus devaneios nunca esbarram na pirotecnia ou no exibicionismo gratuito. São líricos e lúdicos como se espera de alguém que transpirava inocência no início do século passado. Não fosse pela forma como o roteiro intercala os dois mundos de Barrie e pela antológica interpretação de Johnny Depp (quem mais poderia viver tal personagem senão o ator de Edward Mãos-de- Tesoura, Ed Wood, Gilbert Grape, Benny & Joon e tantos outros doces personagens lunáticos?), o espectador até poderia questionar se o interesse principal de Barrie na amizade com as crianças era tirar proveito da inspiração criativa que o convívio com elas lhe fornecia.
Se Johnny Depp leva o filme nas costas e parece o tipo de ator que jamais envelhecerá, o pequeno Freddie Highmore, que interpreta Peter, o mais sério e problemático dos quatro filhos de Sylvia (Kate Winslet), demonstra uma maturidade impressionante para um menino de pouco mais de 10 anos. Quando os dois – que coincidentemente nasceram no mesmo dia 9 de junho – estão em cena juntos, seja viajando pra Terra do Nunca, seja sofrendo a dor da perda precoce, o texto pode até conter clichês melodramáticos. Pouco importa. A emoção transborda à flor da pele e Em Busca da Terra do Nunca, enquanto cinema, cumpre seu papel.
# EM BUSCA DA TERRA DO NUNCA (FINDING NEVERLAND)
Inglaterra/EUA, 2004
Direção: MARC FORSTER
Roteiro: DAVID MAGEE
Produção: NELLIE BELLFLOWER, RICHARD GLADSTEIN
Fotografia: ROBERTO SCHAEFER
Montagem: MATT CHESSE
Música: JAN KACZMAREK
Elenco: JOHNNY DEPP, KATE WINSLET, JULIE CHRISTIE, DUSTIN HOFFMAN, FREDDIE HIGHMORE, RADHA MITCHELL
Duração: 106 min.
site: www.miramax.com/findingneverland
