Críticas


ETERNO AMOR

De: JEAN-PIERRE JEUNET
Com: AUDREY TATOU, GASPAR ULLIEL, JEAN-PIERRE BECKER
10.03.2005
Por Ricardo Pereira
QUEBRA-CABEÇAS SUBSTANCIOSO

Desde seus primeiros filmes em co-autoria com Marc Caro (Delicatessen e Ladrão de Sonhos), Jean-Pierre Jeunet já nos chamava a atenção para sua extraordinária habilidade em retratar universos mágicos e surreais, com uma poética da imagem que devolvia ao cinema a plasticidade hiper-realista dos quadrinhos e que banhava o expressionismo pictórico com luzes impressionistas.



Esta mesma caligrafia é a que escreve este virtuoso exercício de estilo chamado Eterno Amor, um filme que, sem dúvida, não esgota todas as suas cartas no fascinante envoltório que o ampara, mas também oferece, em justa correspondência, uma emocionante história de esperanças, desafios e superações. Os detratores de seu trabalho anterior, o aplaudido O Fabuloso Destino de Amélie Poulain acusavam a disparidade de um longa-metragem que nada tinha para contar por mais que fosse feito de uma forma atraente - enquanto que seus fãs incondicionais somavam às suas virtudes cinematográficas o otimismo do faz-de-conta que narrava.



Em Eterno Amor, Jeunet e seu habitual co-roteirista Guilaume Laurant evitam correr o mesmo risco adaptando uma novela de Sébastien Japrisot, cujo relato de amor em tempos de guerra assim com cativou o diretor desde suas primeiras páginas faz o mesmo com o espectador sobretudo levando-se em conta a particularíssima transcrição de Jeunet para a tela grande. Em Eterno Amor há desde a sordidez do delirante Delicatessen - neste caso, representado pela bárbarie que deriva da guerra, tanto dentro quanto fora do campo de batalha - como o infatigável otimismo de Amélie.



Jeunet, consciente da empatia conseguida por aquela jovem garçonete parisiense interpretada por Audrey Tatou, recorre mais uma vez a atriz para uma personagem cuja ilimitada capacidade de entrega, idealismo romântico e amável tenacidade lembram consideravelmente a primeira, de modo que temos a impressão de estarmos contemplando uma versão "vintage" da Senhorita Poulain, transitando, isto sim, por situações muito mais amargas.



Um dos grandes acertos do filme é, sem nenhuma dúvida, o roteiro que o sustenta, um complexo quebra-cabeças que se apresenta substancioso em argumentos e interesses, porém que é capaz de atender com sensibilidade ao mínimo detalhe na construção de personagens e situações, coordenando com atino as diferentes subtramas e encontrando um equilíbrio coerente entre todos seus componentes cômicos e dramáticos, sem descuidar tampouco de sua engenhosa vertente dialogada.



Deste modo, "Eterno Amor" se converte em um melodrama romântico que atinge uma moderada intriga através das investigações que desenvolve sua (anti) heroína, e que vê no humor a oportunidade idônea para relaxar a tensão que ocasiona a tragédia bélica. Porém é também, ou quem sabe sobretudo, um apanhado de pequenos relatos que se entrelaçam no caminho, uma galeria de tragédias e milagres que falam do mais mesquinho e bondoso que existe na alma humana, e que uma situação extrema como a guerra traz à tona: aguerra extrai o melhor e o pior de cada um. E é aqui onde Jeunet, que quer bem a todas as suas personagens como uma mãe aos seus filhos, arma de novo seu pitoresco teatrinho de personagens secundárias - grotescas, estranhas, ridículas, adoráveis.



A formulação estética do filme é, como cabia esperar, outra peça fundamental, por este caráter irreal e pseudo-onírico que imprime as atmosferas, e que longe de distanciar o espectador, sublinha os absurdos da guerra e tudo quanto há de fabuloso na mais anódina das existências. A direção de fotografia de Bruno Delbonnel (indicada ao Oscar), elegante por sua potente plasticidade e por sua capacidade de evocação, manipula a gama cromática para assinalar uma distância temporal, porém também um contraste anímico, entre as seqüências bélicas do passado - fotografadas a partir da inclemência metálica do cinza, onde o negro da munição, o marrom da terra, o pardo das trincheiras e o verde dos uniformes devora significativamente os homens - e o presente - cálido e luminoso graças a carícia de uma textura que oscila entre o sépia, o ocre e o âmbar.



# ETERNO AMOR (Un Long Dimanche de Fiançailles)

França/ EUA, 2004

Direção: Jean-Pierre Jeunet

Roteiro: Jean-Pierre Jeunet e Guillaume Laurant

Fotografia: Bruno Delbonnel

Montagem: Hervé Schneid

Música: Angelo Badalamenti

Direção de arte: Aline Bonetto

Elenco: Audrey Tatou, Gaspar Ulliel, Jean-Pierre Becker, Dominique Bettenfeld, Marion Cotillard, André Dussollier, Tchéky Karyo, Dominique Pinon, Jodie Foster

Duração: 135 min.

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