Não é papel do crítico deixar que os bastidores de um filme influenciem a análise. É a obra concluída que deve ser levada em conta, e nesse caso pouco importa se Guilherme Fontes tem uma dívida de dezenas de milhões de reais com o Estado, se ele deveria estar na cadeia ou se foi vítima de censura e grande prejudicado nessa história toda, como tem declarado por aí. Isso eu deixo para os coleguinhas do jornalismo investigativo.
O que me interessa é que, afinal, “Chatô, O Rei do Brasil” rendeu um ótimo filme. E, por mais irônico que possa parecer, todo esse imbróglio que retardou em quase 20 anos o seu lançamento acabou sendo favorável a ele. Em meio a um cinema comercial que hoje praticamente se divide entre comédias que se limitam a reciclar produtos televisivos e filmes de gênero que não se cansam de copiar a fórmula hollywoodiana, “Chatô” possui frescor e ousadia. Chama a atenção por destoar totalmente da produção escravizada pela necessidade de agradar aos marqueteiros das empresas que decidem onde aplicar a verba de renúncia fiscal.
Vejo na narrativa liberta de “Chatô” uma vitalidade e um total descompromisso com o mercado que talvez não estivessem presentes se o filme tivesse sido montado e lançado há duas décadas, quando era considerado uma aposta de superprodução com grande elenco de rostos conhecidos do público.
Esse Chatô encarnado brilhantemente por Marco Rica num tom chanchadesco, que veste cocar, saca da peixeira, tarado, genial, corrupto, machista, visionário, quase pedófilo e tudo o mais que se possa imaginar, flana pela tela contando a história do Brasil e do jornalismo sem o menor comprometimento com a realidade, mas ao mesmo tempo soando um tanto verdadeiro e atual – especialmente no que diz respeito à relação entre os barões da mídia e o alto escalão da política. Além da qualidade do elenco, da produção cuidadosa, do roteiro enxuto, sem gorduras, destaca-se a montagem que obedece ao fluxo descompassado de uma narrativa que se alterna entre as lembranças de um moribundo e um julgamento farsesco em forma de programa de TV nostálgico, sem jamais quebrar o ritmo ágil do filme.
A impressão que Fontes deixa, ao concluir “Chatô” com uma brilhante e provocadora cena de sexo oral com um quase cadáver, é a de que pouco importa se o público de cinema, que parece ter emburrecido tanto nesses últimos anos, vai compreender o que está vendo na tela, ou se os patrocinadores terão coragem de lhe dar dinheiro pra mais algum filme. Se a sua carreira terminar aqui, por mais que como produtor executivo ele possa ter dado um péssimo exemplo para os seus pares, como diretor ele deixa uma bela de uma contribuição.