Críticas


NINGUÉM PODE SABER

De: HIROKAZU KOREEDA
Com: YÛYA YAGIRA, AYU KITAURA, HIEI KIMURA
17.04.2005
Por Daniel Schenker
A DIMENSÃO SOLITÁRIA DAS TRAGÉDIAS INDIVIDUAIS

Alguns filmes recentes vêm não só abordando o abandono familiar como destacando o vazio irremediável que toma conta de crianças e adolescentes deixados de lado por pais levianos. Escorado em caso real ocorrido em Tóquio, o cineasta Hirokazu Koreeda – que já acertou ( Maborosi ) e errou ( Depois Da Vida ) em experiências anteriores – mostra, neste Ninguém Pode Saber , a sobrevida de quatro irmãos de pais diversos largados à própria sorte pela mãe. O diretor toca num problema gravíssimo, mas, felizmente, faz um filme que não fica restrito à contundência da denúncia. Ressalta, através de ferramentas cinematográficas, que o mundo não altera seu funcionamento devido às tragédias individuais.



Não são conclusões transmitidas por discursos. Ao contrário, Koreeda valoriza o contraste entre o agravamento da situação dos irmãos – que, à medida que o tempo passa, têm luz e água cortadas – e a repetição precisa de fatos cotidianos: o dono da loja continua tentando ensinar os funcionários a dobrar e esticar um saco plástico, as janelas abertas de um apartamento espelham um inabalável aconchego, o frio e o calor permanecem indiferentes à via-crucis das personagens.



A trilha sonora, fruto do equilíbrio entre melancolia e uma certa doçura (mesmo quando a barra realmente pesa), surge integrada às imagens desoladas da noite de Tóquio. Além da música e, obviamente, da fala verbal há ainda informações contidas no som ambiente – que ora traz a afirmação da inalterabilidade do cotidiano e da conseqüente solidão quase absoluta dos irmãos diante da falta de referência familiar, ora preenche com precisão todo o texto contido nos momentos de silêncio, que, por sua vez, funcionam como registros de uma presença recente que se tornou tão-somente a constatação de um vazio no aqui/agora (a mancha de esmalte no chão, marca da última passagem da mãe).



Irmão mais velho encarregado de cuidar dos menores, Akira (Yûya Yagira, excelente, melhor ator no Festival de Cannes) vai endurecendo ao longo do tempo sem, porém, perder por completo sua pureza de origem. Sobrecarregado devido à irresponsabilidade da mãe, o garoto procura, na medida do possível, suprir ausências e estabelece cumplicidade com uma menina das redondezas. Mas não é poupado das maiores adversidades. Garante seu sustento emocional praticamente sozinho, chegando perto da fronteira com a perda de sanidade.



Filme feito de pés e, em especial, mãos, partes do corpo bastante registradas ao longo da projeção, Ninguém Pode Saber resulta da soma de momentos discretos, a exemplo das flores desenhadas no vidro embaçado do chuveiro, evocando, talvez, a flor de sangue estampada pela menina de Paisagem Na Neblina , de Theo Angelopoulos, logo após um estupro. Em ambos os filmes, a sensação de orfandade toma conta da tela grande.



# NINGUÉM PODE SABER (DARE MO SHINARAI)

Japão, 2004

Direção, Roteiro e Produção: HIROKAZU KOREEDA

Fotografia: YUKATA YAMASAKI

Trilha Sonora: TITI MATSUMURA e GONZALEZ MIKAMI

Elenco: YÛYA YAGIRA, AYU KITAURA, HIEI KIMURA, MOMOKO SHIMIZU, HANAE KAN, YOU.

Duração: 141 minutos

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