Críticas


MACBETH: AMBIÇÃO E GUERRA

De: JUSTIN KURZEL
Com: MICHAEL FASSBENDER, MARION COTILLARD, PADDY CONSIDINE, SEAN HARRIS.
24.12.2015
Por Luiz Fernando Gallego
Versão mais soturna e sussurrada da violenta tragédia shakespeareana.

Laurence Olivier, um dos maiores nomes do teatro shakespeariano e do cinema no século XX, escreveu em sua autobiografia que só aprendeu a interpretar em filmes quando trabalhou sob a direção de William Wyler em O Morro dos ventos Uivantes (1939). Durante as filmagens Wyler chamava sempre a atenção de Olivier no sentido de que o ator não estava em um palco e, portanto, não precisava se fazer ouvir pelos espectadores sentados lá em cima, na última fila da mais alta galeria de enormes salas de teatro. No cinema, o ator podia usar diferentes intensidades de voz, pois até os sussurros seriam amplificados pelos sistemas de som das (então também gigantescas) salas de exibição. Olivier passaria a evitar o overacting nas telas e teria sua mais bela e sutil interpretação em cinema alguns anos depois, sob a batuta do mesmo Wyler, em Perdição por Amor (Carrie, título original, de 1952).

Não sei se essa história é conhecida de Justin Kurzel, diretor desta (sexagésima) versão cinematográfica da mais curta e uma das mais violentas tragédias de Shakespeare, mas o fato é que seus atores certamente foram levados a dizer suas falas de modo quase sempre sussurrado ou em tons de voz bem discretos, o que não deixa de ser uma opção radicalmente corajosa – mas que, talvez pelo exagero, acabe trabalhando menos a favor do resultado final alcançado: digno, mas um tanto "plano".

Outro ponto que não ajudou muito o filme de um ponto de vista essencialmente cinematográfico está no roteiro que procura reproduzir dezenas e dezenas de falas originais do - maravilhoso - texto shakespeariano. É mesmo muito difícil reinventar o que está perto da perfeição nos palcos feitos para vibrarem sob o domínio da palavra; mas para preservar tantas falas de tão bela quanto terrível e trágica poesia, seria útil que a narrativa fílmica fosse mais criativa, indo além da preocupação estetizante na composição das imagens. Se estas podem ser impactantes, em consonância com o aspecto sussurrado das falas, o fotógrafo Adam Arkapav usou uma iluminação “de época” extremamente bruxuleante, com fotografia escura mesmo, o que pode dificultar a adesão do público para um filme que chega às nossas retinas mais soturno do que trágico.

Os atores principais, os competentes Michael Fassbender e Marion Cotillard, além do tom de voz intimista ao extremo, são levados a composições quase minimalistas e, se são adequados na interpretação do texto e na composição interiorizada dos personagens, também acabam por se mostrarem mais depressivos do que trágicos.

As pequenas liberdades para com a peça original são mais encontradas em detalhes do roteiro do que em uma visão geral inovadora sobre a desmesura na ânsia pelo poder a qualquer preço, acrescentando-se na cena de abertura a morte de uma criança, filha do casal Macbeth, talvez para justificar a aparente contradição entre uma fala de Lady Macbeth (“Eu já amamentei...”) e outra de Macduff (“Ele não tem filhos...”). Muitos estudiosos consideram importante para a conduta psicológica do casal Macbeth o fato de não terem filhos. Não terem mais como esta versão aponta? Ou dela poder ter tido um filho de outra união anterior? Não necessariamente o texto fala de infertilidade, a não ser de como a soma dos crimes para chegar ao - e manter o - poder acaba por ser cada vez mais estéril ao ceifar tantas vidas que não mais se reproduzirão. Este acréscimo do filme relativo ao enterro de uma criança morta não atrapalha, pode colaborar, mas não chega a ser tão marcante assim. O que pode confundir é que o filme mostra, como de hábito, três bruxas com suas premonições, porém acrescidas de uma quarta bruxa, uma menina, o que pode induzir à ideia (sem base alguma) de que seria uma visão da filha morta do casal.

Mesmo com outras liberdades bem mais amplas e assumidas, o Macbeth - Reinado de Sangue (ah, esses subtítulos nacionais...), feito em menos de um mês por Orson Welles em 1948, assim como a adaptação para o Japão feudal assinada por Kurosawa (Trono Manchado de Sangue, 1955) acabam sendo mais fieis ao clima de devastação moral da peça de Shakespeare e mais ricos em termos da linguagem mais específica do Cinema. Welles tinha uma concepção particular sobre a história, enfocando as bruxas como remanescentes de religiões druídicas mais primitivas e anteriores à dominação da Escócia pelo cristianismo. E Kurosawa construiu em sua versão uma de suas obras-primas: curiosamente, até hoje o melhor ‘Macbeth’ do cinema é japonês em vez de escocês...

De qualquer modo, o tema da luta cruenta pelo poder é sempre atual, e não deve ser mera coincidência que, além de estar sempre sendo reencenada, a peça vem dando origem a mais de cinco (à vezes nove e às vezes dez) filmes por década desde 1980 para cá. Das 62 adaptações registradas no site IMDb, quatorze foram realizadas no século XXI, à média de uma por ano, sendo que no meio da década atual já há mais duas versões a serem lançadas, e aqui mesmo no Brasil tivemos recentemente o curioso A Floresta que se move.



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Outros comentários
    4253
  • Concy Pinto
    04.01.2016 às 13:00

    A crítica é interessante por apontar o que poderia ser visto como defeito. A fotografia é linda, e coadjuva muito bem o clima de insanidade do casal Macbeth. O texto dos versos de Shakespeare também completam bem o clima de dor e confusão causados pela loucura pelo poder. E o texto é poderoso nesse sentido. Para o público, que ainda procura o bom cinema, é uma dádiva! E o elenco é outro prêmio. Marion Cotillard a cada filme mostra seu imenso e eclético talento. Fassibinder e os demais atores cumprem muito bem seus personagens. Adorei o filme.