Numa das passagens finais de Kinsey , a atriz Lynn Redgrave faz uma rápida aparição como a última entrevistada do personagem-título, completamente engajado na tentativa de quebrar tabus sexuais na sociedade americana da década de 40. É a única seqüência autoral de um filme que, de resto, oscila com certa habilidade entre a abordagem sincera da intimidade, “tema” ainda cercado de mistérios mesmo numa época escancarada como a contemporânea, e os limites de ousadia que uma produção de mercado não costuma ultrapassar.
Condon já se saiu melhor quando fez menos concessões, como no excelente Deuses E Monstros (com Redgrave no elenco), mas também alcança bom resultado neste novo trabalho – e, em especial, na cena citada, na qual a entrevistada relembra de sua paixão por uma amiga e da quebra de uma estrutura familiar estável em relato valorizado por um recurso simples: o distanciamento lento da câmera em relação a uma personagem que recorda de seu processo de exclusão. É o suficiente para que o espectador “reviva” junto com ela um estado de solidão. Apesar da constância de uma trilha emocional ao fundo, Condon toca a fronteira tênue entre ficção e documental graças, em boa parte, à veracidade de depoimento no desempenho de Lynn Redgrave.
Há ainda outros pontos interessantes num filme repleto de instigantes “equivocações”. Por exemplo: o professor Kinsey (Liam Neeson, em bom trabalho) fala em nome do progresso da ciência, mas seu trabalho em prol da superação das barreiras e da falta de informações sobre sexo tem raízes na sua própria história, mais exatamente no problemático início de casamento (a esposa é interpretada, de forma expressiva, por Laura Linney, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante). Corajoso, Kinsey não reprime seus impulsos homossexuais, exigindo, porém, uma isenção dos colaboradores que nem ele alcança em todos os momentos. Derruba oportunamente as classificações sexuais mais reducionistas, deixando, contudo, de atentar para a importância da reserva, suspensa nos jantares familiares. E presta um serviço notável ao desmistificar os fantasmas da sexualidade sem calcular que, pelo menos em parte, está caminhando por terreno perigosamente pessoal.
Com potencial para incomodar, ainda que dentro de uma estrutura quase acadêmica, o filme dá um passo à frente na abordagem de um assunto interessantíssimo: o desnudamento humano. Seria apropriado se Condon se detivesse um pouco mais nos métodos empregados por Kinsey para a extração de segredos íntimos. Inicialmente, questionários parecem ser a forma mais apropriada, substituídos, com o passar do tempo, por entrevistas nas quais são previamente estudadas as posturas do profissional encarregado de formular as perguntas. As conclusões alcançadas por Kinsey soam, ainda hoje, bastante esclarecedoras. “Todas as pessoas são diferentes. O problema é que querem ser iguais. Desejam tanto fazer parte de um grupo que, por causa disto, podem trair suas naturezas”, sintetiza, em dado instante.
# KINSEY – VAMOS FALAR DE SEXO (KINSEY)
EUA, 2004
Direção: BILL CONDON
Fotografia: FREDERICK ELMES
Trilha Sonora: CARTER BURWELL
Elenco: LIAM NEESON, LAURA LINNEY, OLIVER PLATT, JOHN LITHGOW, PETER SARSGAARD, CHRIS O’DONNELL, LYNN REDGRAVE
Duração: 118 minutos
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