A famosa explosão de um bueiro da Rua São Clemente, em maio de 2000, é a única intervenção do acaso na trama de Bendito Fruto. No mais, a estréia de Sérgio Goldenberg na direção ficcional é um habilidoso jogo de encaixe com as peças da sociedade brasileira. Tudo tem o seu lugar aparentemente definido, mas com a entrada de novas peças estabelece-se uma dinâmica reveladora, que aponta para uma utopia social.
A relação entre o cabeleireiro Edgar (Otávio Augusto) e sua empregada-amante Maria (Zezeh Barbosa) espelha tantas outras reais que subjazem na hipocrisia cotidiana do país. Somados a esse, os temas da assunção da paternidade e da identidade homossexual fazem do filme um entroncamento de questões “difíceis”, melodramáticas. Os preconceitos de raça, classe e gênero, latentes sob a cortesia de superfície brasileira, explodem na história com mais força do que o bueiro. Mas, em vez de gerarem conflito ou dissimulação, acabam por se dissolver na bonomia de personagens essencialmente positivos e simpáticos. A solução pode não ser de todo veraz, mas parece coerente na maneira como é apresentada.
Bendito Fruto é uma fábula social em tom de comédia romântica. Nada se arvora em denúncia ou arrazoado sociológico. A dramaturgia das telenovelas fica como um contraponto na linha do horizonte. A diferença entre novela e filme vem da consciência do veículo: os roteiristas Goldenberg e sua mulher Rosane Lima têm experiência com a escrita para a TV e disso tiram partido para criar uma narrativa paralela, razoavelmente crítica, onde os clichês se desnudam ao mesmo tempo que se reproduzem.
De resto, o filme se impõe pela profunda compreensão dos atores (preparados por Enrique Diaz), o ritmo bem calibrado, os diálogos inspirados numa observação precisa da expressão popular, a cenografia levemente caricata mas muito competente. Botafogo, com sua insipidez característica, é uma espécie de terreno neutro, favorável para a caracterização dessa classe média-média que disfarça os temores da meia-idade e não tem tanto a perder ou ganhar na aceitação do diferente e do inesperado. Nesse laboratório de vida urbana, os personagens de Bendito Fruto soam plausíveis o tempo todo – e até encantadores quando tangenciam a idealização.
# BENDITO FRUTO
Brasil, 2005
Direção: SÉRGIO GOLDENBERG
Roteiro: ROSANE LIMA, SÉRGIO GOLDENBERG
Direção de atores: ENRIQUE DIAZ
Fotografia: ANTONIO LUÍS MENDES
Montagem: JORDANA BERG, FLÁVIA CELESTINO
Direção de arte: CLÁUDIO AMARAL PEIXOTO
Figurinos: ANGÉLE FRÓES
Produção: CLAUDIUS CECCON
Produção executiva: BETH FORMAGGINI
Elenco: OTÁVIO AUGUSTO, ZEZEH BARBOSA, VERA HOLTZ, LÚCIA ALVES, CAMILA PITANGA, EDUARDO MOSCOVIS, EVANDRO MACHADO
Duração: 91 minutos
Site do filme: clique aqui