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ALMA EM DECURSO

09.06.2005
Por Kadu Carneiro
ALMA EM DECURSO

O falecimento do ator Kadu Carneiro, em 20 de maio último, aos 44 anos, não mereceu mais que poucas linhas na imprensa. Merecia mais. Um dos melhores atores de sua geração, ele foi um “intérprete de fina e requintada sensibilidade”, conforme as palavras de Sylvio Back, que o dirigiu no papel título de Cruz e Sousa - O Poeta do Desterro.



Em seu currículo, destacam-se as novelas e minisséries Dona Beja, Escrava Isaura, Rede de Intrigas e Sangue do Meu Sangue, nesta com uma atuação memorável como o abolicionista José do Patrocínio. No teatro, entre outras peças, protagonizou dois Shakespeare, Rei Lear e Hamlet Negro. No cinema, atuou nas co-produções Jolly Joker (Alemanha), Lambada o Filme (Itália) e nos brasileiros Cruz e Sousa - O Poeta do Desterro (1999) e As Filhas do Vento (2004), de Joel Zito Araújo, ainda inédito.



Cruz e Souza será reprisado no dia 15 de junho, no Canal Brasil.



Leia a seguir o texto que Kadu Carneiro preparou para o material de imprensa de Cruz e Souza – O Poeta do Desterro.





ALMA EM DECURSO



Kadu Carneiro





Meu encontro com a obra de Cruz e Sousa veio através da grande oportunidade que o cineasta Sylvio Back me proporcionou de representá-lo no cinema. Por estar à mercê da sorte cultural primitiva de educação e de transformação da nossa sociedade, eu não conhecia as suas obras.



Muito assustado e muito feliz com o desafio, busquei-o a princípio - com todo o respeito - no etéreo, pedindo a licença necessária, com uma enorme gratidão por ter sido escolhido.



O processo de encarná-lo em meu trabalho de composição foi árduo e arrebatador; houve uma grande dificuldade de minha parte no entendimento dele. Foram noites sem dormir, lendo e relendo os seus poemas.



A falta de hábito na leitura do gênero me fez descobrir que teria que doar-me por completo num encontro de alma em curso para a alma já em decurso. Era necessário uma incorporação através do meu silêncio e meditação.



Foi quando os verbos, as palavras começaram a ter o verdadeiro diálogo com a minha respiração, dando aos meus sentidos a musicalidade exigida. Estava feito o "augusto pacto" - como diz Cruz e Sousa.



Junto chegaram-me as cartas com as dificuldades cotidianas do poeta, a dor da família, o desencanto, a hipocrisia da sociedade. E fui no meu silêncio percebendo que ele estava ali; mais do que nunca em cada irmão, em cada companheiro de luta, sufocado, desanimado e emparedado.



Nesse exercício diário de vida senti que estava pronto para interpretá-lo.



O espírito não tem forma, e por ser etéreo não precisa de resposta, pois está livre. Sujeito a críticas, sim, por estar preso a um corpo, a uma forma, mas no desprendimento dos porquês torna-se poético e vivo, pronto para voar por todos os séculos.



Acredito que este é o nosso Cruz e Sousa. É particular e está dentro de nossas vivências, de nossas almas. Portanto, se permita contemplá-lo, transformando-o em veículo de vida.


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