Artigos


AVELLAR OU A CRÍTICA EXPANDIDA

05.04.2016
Por Carlos Alberto Mattos
Saiu de cena não só um crítico, mas um formulador de ideias, um construtor de relações e um gestor com alma de criador

Não tem tamanho a cratera aberta pela morte de José Carlos Avellar (1936-2016) no pensamento cinematográfico brasileiro e latino-americano. Saiu de cena não apenas um crítico, mas um formulador de ideias, um construtor de relações e um gestor com alma de criador.

O carioca Avellar iniciou a vida jornalística como diagramador do Jornal do Brasil, depois crítico do mesmo jornal por mais de 25 anos. Sua verve de editor foi exercitada nas revistas Filme Cultura e Cinemais, da qual foi um dos fundadores. Sua importância, porém, é tão ampla quanto pode ser a de alguém plenamente engajado nos bastidores do cinema.

Em relação à crítica propriamente dita, Avellar fez escola com sua visão afiada para a estrutura das obras, os pormenores de construção, as suas relações com as artes plásticas e a representação que o cinema oferecia da realidade. Avellar podia escrever pequenos tratados a partir de uma única cena, um plano ou uma frase de diálogo. Tinha uma primorosa capacidade de articulação, desenvolvida num texto leve, envolvente e "redondo", no sentido de fechar as ideias com graça e coerência. Foi um exemplo acabado da crítica como gênero literário. O mesmo se dava em suas palestras, apresentadas sempre com serena competência e lógica irretocável.

Como articulador em benefício do cinema brasileiro, ele trabalhou em várias frentes. Foi consultor durante mais de 20 anos do Festival de Berlim, ajudando a integrar os filmes brasileiros ao circuito internacional. Atuou também junto aos festivais de San Sebastián, Montreal e Gramado. Com os demais países da América Latina estabeleceu um vínculo sem paralelos entre os críticos brasileiros. Era íntimo de colegas mexicanos, peruanos, argentinos e uruguaios, com os quais desenvolveu projetos como a revista eletrônica El Ojo que Piensa (infelizmente descontinuada) e fez curadorias para diversas mostras e festivais. Seu livro A Ponte Clandestina é um inestimável compêndio analítico das teorias de cinema construídas por autores latino-americanos.

Para completar esse perfil múltiplo, cabe destacar suas atividades como gestor na área cinematográfica. Ele ocupou a diretoria de assuntos culturais da Embrafilme, a vice-diretoria da Cinemateca do MAM, uma subsecretaria de cinema do governo do Estado do Rio, a diretoria da Riofilme em seu período mais fértil, a presidência do conselho do Programa Petrobrás Cinema e, mais recentemente, a curadoria de cinema do Instituto Moreira Salles.

O legado ensaístico e teórico de Avellar fica em seis livros, incontáveis textos para catálogos, livros coletivos e revistas virtuais, além do seu site particular, EscreVer Cinema. O livro O Cinema Dilacerado e O Chão da Palavra abordam o cinema brasileiro pelas óticas, respectivamente, da resistência à ditadura e das adaptações literárias.

Seu amor pela pintura e pelas expressões gráficas transparece com frequência na maneira de se aproximar da forma e do sentido dos filmes – desde seus famosos estudos sobre Eisenstein e Glauber Rocha até um texto recente sobre Ùltimas Conversas, de Eduardo Coutinho, norteado pelos paralelos com a série O Artista e seu Modelo, de Pablo Picasso (veja no site).

A Wikipedia resume seu trabalho bissexto no "outro lado do balcão", nos anos 1960 e 70: estreou na direção com o curta Treiler (1965) e codirigiu os filmes coletivos Destruição Cerebral (1977) e Viver É uma Festa" (1972); foi diretor de fotografia do média Manhã Cinzenta (1969), de Olney São Paulo, e do longa Triste Trópico (1974), de Arthur Omar; produziu o documentário Passe Livre (1974), de Oswaldo Caldeira, e montou "Iaô" (1976), de Geraldo Sarno. Foi ainda professor e corrdenador do cineclube da Escola de Cinema Darcy Ribeiro.

Com sua saída de cena, após uma luta de muitos meses contra um câncer no sistema linfático, Avellar deixou um buraco sem fundo na reflexão crítica e na organização do cinema entre nós. A lacuna não é menor entre seus inúmeros amigos e admiradores. A sorte é que seus textos ficarão, sempre inteligentes e sólidos ao dissecar aquilo que "bate na tela", como ele gostava de escrever.

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário



Outros comentários
    4354
  • Floresilla Viveiros
    30.07.2016 às 07:26

    José Carlos Avellar implantou, na Cinemateca do MAM, na década de 70, um curso semestral de Cinema. Suas aulas de Estetica Cinematográfica ,apesar da sua modéstia, tinham o brilho que só a segurança do conhecimento e uma grande ligação afetiva com o tema podem dar. Além disso, cercou-se dos maiores cineastas da época que trouxeram para as suas aulas , com a informação necessária, o mesmo amor pelo Cinema.