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BIG JATO

De: CLÁUDIO ASSIS
Com: MATHEUS NACHTERGAELE, MARCÉLIA CARTAXO, JARD MACALÉ, FRANCISCO DE ASSIS MORAES, RAFAEL NICÁRIO.
22.06.2016
Por Dinara Guimarães
Um olho na tela e outro olho no escrito.

O filme Big Jato, de Cláudio Assis, é uma versão visceral das entranhas de um determinado cinema e literatura que põem em tela o resto excrementício que é expelido de nossa sociedade, em seus componentes de abjeção do corpo e criação artística.

Estruturado em torno de uma leitura criativa da ficção autobiográfica de Xico Sá com o mesmo título, embora seja sobre um limpador de fossas com seu caminhão, "Big Jato", que dá título às duas obras, em nenhuma delas desperta a aversão e o nojo intenso de filmes macabros da imortal tradição da ficção escatológica - muito pelo contrário, a escrita joyceana de Xico Sá com o gozo da letra atenua a encenação nua e crua dos filmes anteriores de Claúdio Assis, Amarelo Manga, de 2002, e Baixio das Bestas”, de 2006.

À crueza das imagens se ergue uma fábula que dá ênfase às atividades de trabalho, convivência e sobrevivência da família de Xico (os atores Francisco de Assis Moraes na infância e Rafael Nicário na adolescência). Nessas representações familiares presentes em nosso imaginário, podemos reconhecer a expressão do pesadelo em relação com o cômico social brilhantemente interpretados por Matheus Nachtergaele, dividindo-se nos dois papéis: do pai, o limpador de fossas, e do tio Nelson, um radialista anarquista, libertário, a favor do ócio. Assim opostos em seus ideais, o pai e o tio, cada um à sua maneira, vão influenciar diferentemente nas escolhas dos objetos de desejo de Xico, criado, como eles, sob o impacto dos acordes dos Betos, uma banda na moda Beatles, cujo hit é "Let It Lie".

Na versão de Assis e Sá, contrária às convenções restritivas no Nordeste, cidade natal de ambos, o mar é o símbolo que serve para expressar as manifestações humanas de ultrapassar os limites, de insurgir contra a autoridade materna enfezada interpretada por Marcélia Cartaxo como a mãe de Xico e mais três filhos, ao mesmo tempo, âncora e aprisionamento. Sobressai nas representações escatológicas a atenção aos detalhes da rotina diária e aos elementos dilacerantes do dia a dia, como a doença, o alcoolismo, a falência, a dívida, a repressão. A casa familiar é a prisão onde o tempo aparece estanque, dentro do espaço fechado da pequena cidade alegórica "Peixe da Pedra", o espelho do isolamento.

Na repugnância do tio Nelson e de Xico, pela obsessiva expressão de autoridade do pai, mesmo que seja partidário da ordem, há um abuso do sofrimento do limpador de fossas que é encenado para suscitar uma resposta estética, o abuso semelhante ao núcleo da eficácia da tragédia.

Dinara Guimarães é psicanalista e autora de livros sobre cinema e psicanálise

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Outros comentários
    4349
  • Katia Angeloff
    17.07.2016 às 09:44

    Excelente artigo.