Críticas


PROCURANDO DORY

De: ANDREW STANTON, ANGUS MACLANE
02.07.2016
Por Hamilton Rosa Jr.
Não alcança o mesmo encanto burlesco de “Procurando Nemo”, mas é uma sequência inesperadamente cativante e humana

Esse novo animado da Pixar não alcança o mesmo encanto burlesco de “Procurando Nemo”, mas é uma sequência inesperadamente cativante e humana. Se no primeiro desenho a perda da memória recente da peixinha azul em momento algum era tratado como uma desvantagem, ao contrário, era o que permitia chegar ao filhote Nemo, mesmo que por acidente, aqui o diretor Andrew Stanton e o seu co-realizador Angus MacLane ousam adentrar num terreno mais ambicioso. E qual seria este?

Mostrar dentro do formato de uma aventura para as crianças, as implicações interiores de uma personagem profundamente complexa para um desenho. Quem afinal é Dory? Sabemos que ela é limitada por um trauma, pelo desamparo e pelo horror da solidão que isso acarreta, mas o que mais?

O grande risco era como lidar com um microcosmo de questões delicadas como o da doença e da exclusão social, num filme de entretenimento, sem ficar no meio termo, como num laboratório de boas intenções, não sendo nem uma coisa nem outra. No entanto, Stanton revela pela terceira vez (a primeira foi em “Nemo”, a segunda em “Wall-E”) um domínio incrível de dosar as medidas, entregando um filme leve e aparentemente simples na superfície, mas em suas implicações, muito particular. De MacLane não dá pra dizer tanto, mas de Stanton, fica mais uma vez demonstrado a sensibilidade delicada do diretor para lidar com a percepção dos meandros das relações íntimas. Mesmo que em seus desenhos, os peixes ou os robôs (“Wall-E”) pareçam muito mais humanos que os próprios humanos.

A primeira grande descoberta que a Dory pequena, como uma criança perdida, faz, é como a solidão pode ser dolorida, e curiosamente não destruidora. Ela nada pelos oceanos, com a vitalidade de nunca desmanchar seu mundo lúdico. Brinca com quem aparece e sempre, meio que por acaso, pede aos passantes para ajudá-la a localizar os pais, o qual ela ainda se lembra vividamente em flashback. O tempo, contudo, passa e a pergunta muda, por que à medida que Dory cresce, seu pequeno lapso de memória vira um vazio tremendo, fazendo com que a própria imagem dos pais se dilua.

As crianças se protegem do horror do desapego com risadas, e nós adultos também disfarçamos nossa aflição, porque acreditamos que a protagonista não será condenada a vagar pelos sete mares sem descanso e solitária. O temor, porém, nunca abandona a cena. Nem mesmo quando ela tromba com Marlim, o peixe palhaço que está em busca de seu filho (desnecessário contar como a encantadora amizade floresce, porque já a vimos no filme anterior).

Existe de novo um resgate, mas o movimento nesse Procurando Dory é inverso ao de Procurando Nemo. Esse é uma jornada interior, o outro era exterior. Por trás de Dory, permanece a luta para reconstruir sua identidade e suas origens. Sua aventura, portanto, antes de tudo é psicológica. Quando ela convida Marlim e Nemo para entrar no fluxo da corrente marítima e começar sua busca, a estrada que se pavimenta é a do convite de uma experiência de regressão. Quem afinal de contas é Dory, de onde ela veio? Os diretores não tem pressa de responder.

Antes disso, expande-se inteligentemente a ideia de tolerância e inclusão: praticamente todas as personagens que Dory encontra na sua busca pelos pais, desde um tubarão-baleia vesgo a uma beluga angustiada, têm uma deficiência, física ou psicológica, que revela ser também a sua maior força. A partir daqui, o filme atinge os hilariantes delírios burlescos e o equilíbrio delicado entre emoção e humor dos melhores momentos da Pixar.

Não é coincidência que depois de tantas estripulias, no ponto mais baixo, quando tudo parece perdido, os diretores levam sua câmera (virtual) para dentro da cabeça da peixinha, para finalmente vermos as coisas pelo ponto de vista dela. Esse é o tipo de floreio que aproxima levemente o desenho do anterior da Pixar, “Divertidamente”, mas aqui o que se segue não é uma briga dentro da sua consciência, mas a sensação de vertigem entre pertencer a um passado mal resolvido e o sonho de uma vida completamente idealizada. É aqui que vemos Dory, como realmente era quando criança. Como se sentia rejeitada, brincava sozinho, ia para a escola sozinho, não tinha amigos e nadava pelos cantos com seus personagens imaginários. Perdida, quase igual a um Robinson Crusoé.

Com uma única diferença: Dory nunca esteve numa ilha deserta. Seu drama foi sempre se sentir sozinho no meio da multidão.

Contando assim pode até parece que o espectador sairá do cinema marcado por um sorriso com toque de melancolia.

Ao contrário, esse é o maravilhoso caso onde passamos por um misto de sensações. De fato, há os encontros fortuitos que podem se tornar duradouros, profundos. Há a luta para ao chegar no Instituto de Vida Marinha na Califórnia, e saltar de aquário pra aquário em busca dos pais. E, claro, a perspectiva, do fracasso: do chegar ao fim desta jornada e descobrir não ser aquilo que pensamos e sonhamos que éramos.

Dory é tudo isso: aquela que dá suas cabeçadas, em busca daquilo que deseja, mas também a peixinha que mantém o otimismo, rindo e dançando, seja num opressivo aquário ou na imensidão do oceano. Talvez com uma euforia até exagerada demais. Mas funciona.

É quase impossível não sentir uma espécie de tristeza, depois uma espécie de estranhamento, depois uma espécie de alegria. Sempre se enroscando em algo, e olhando de forma atônita para o mundo, Dory causa uma empatia tão grande que, não se sinta estranho, se lhe der vontade de abraçar o mundo, mesmo sabendo o quanto ele é miserável.

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