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FESTIVAL DO RIO 2005: UM GUIA CRÍTICO

22.09.2005
Por Marcelo Janot
FESTIVAL DO RIO 2005: UM GUIA CRÍTICO

Se em anos anteriores já era difícil selecionar o que escolher para assistir no Festival do Rio entre tantas boas opções, esse ano virou tarefa quase impossível. A edição de 2005 do evento é seguramente a melhor dos últimos anos. Por isso, o cinéfilo que quiser montar a sua grade de programação vai quebrar um pouco a cabeça, principalmente porque a cada ano a gente aprende que, mesmo aqueles filmes já legendados, ou seja, teoricamente com distribuição garantida, podem demorar séculos para entrar em cartaz. E quando isso acontece, correm o risco de desaparecer do circuito na semana seguinte. A equipe do Críticos.com.br mais uma vez se mobilizou para oferecer ao leitor críticas fresquinhas e ágeis dos filmes do evento. Todas elas estarão na primeira página do site, e novas serão acrescentadas ao longo do Festival do Rio. Já o guia abaixo é bastante pessoal e algumas vezes intuitivo. Sempre há o risco de cair em roubadas, o que é compensado em dobro por cada pérola encontrada. Portanto, vá na boa mas também aposte nos desconhecidos, como o excelente “Violação de Domicílio”, do estreante Saverio Costanzo. E aproveite a fartura de documentários oferecida este ano.



Bom Festival! A gente se esbarra na fila!



Marcelo Janot

janot@criticos.com.br






PANORAMA

Para sentir o drama: só da principal seção do evento, aquela que reúne filmes premiados em festivais e produções recentes de diretores badalados, além de outros a conferir, selecionei, de cara, 30 títulos, quantidade que a maioria dos cinéfilos que come, dorme e trabalha não consegue assistir em duas semanas. Tem os novos de Wim Wenders, Neil Jordan, Fernando Meirelles, Ken Loach, Manoel de Oliveira, Amos Gitai, etc. Mas...



O que eu privilegiaria:

- Violação de Domicílio, de Saverio Costanzo, consegue a proeza de encontrar um novo ângulo do conflito palestino. Ganhou, com louvor, o prêmio da crítica no Festival de San Francisco, além de três prêmios no Festival de Locarno.

- O cinema oriental vive uma de suas melhores safras, e seus principais expoentes estão presentes: não dá pra perder The Wayward Cloud, de Tsai Ming-Liang, 2046, de Wong Kar Wai, Café Lumiere, de Hou Hsiao-Hsien, e O Gosto do Chá, de Katsuhito Ishii.

- Wong Kar Wai, diretor do cultuado Amor À Flor da Pele (In The Mood For Love), também está presente na mostra com o longa em episódios Eros, dividindo a direção com Michelangeo Antonioni e Steven Soderbergh. A conferir.

- Caché, de Michael Haneke. O filme anterior do diretor de A professora de piano, o excelente Tempos de Lobo, passou na Mostra de SP há dois anos e até agora continua inédito no Rio. Portanto não perca esse, que ganhou os prêmios de direção e da crítica em Cannes esse ano. (O FESTIVAL ACABA DE INFORMAR QUE AS SESSÕES DESSE FILME FORAM CANCELADAS, POR PROBLEMAS COM A CÓPIA))

- Carmen na África, de Mark Dornford-May, vencedor do Urso de Ouro em Berlim.

- L´Enfant, dos sempre provocativos irmãos Dardenne, levou a Palma de Ouro em Cannes.

- Manderlay, de Lars Von Trier, continuação de Dogville.

- Querida Wendy, de Thomas Vinterberg, parece um filme de Lars Von Trier, que assina o roteiro.

- Last Days, filme que Gus Van Sant escreveu e dirigiu após Elefante, é inspirado na história de Kurt Cobain.

- Sex & Philosophy, do iraniano Mohsen Makhmalbaf .

- Flores Partidas, de Jim Jarmusch, vencedor do Grande Prêmio do Júri em Cannes.

-Mistérios da Carne, de um dos papas do cinema realmente independente americano, Gregg Araki.

- Todas As Crianças Invisíveis, projeto patrocinado pela Unicef com episódios dirigidos por cineastas de estilos tão díspares como Spike Lee, Emir Kusturica, Ridley Scott, John Woo e até a brasileira Katia Lund.





BRASIL COM Z

Documentários que mostram um olhar estrangeiro sobre elementos da nossa cultura e realidade social.



O que eu privilegiaria:

- O Milagre do Candeal - Depois de realizar uma viagem musical pelo latin jazz no documentário Calle 54, o diretor espanhol Fernando Trueba viaja até a Bahia com o pianista cubano Bebo Valdés.

- Em Busca do Orfeu Negro - Uma investigação sobre o filme “brasileiro” de Marcel Camus, décadas depois de seu sucesso.

- Olhar Estrangeiro - Lucia Murat traduz em imagens o interessante livro de Tunico Amancio sobre a forma como o Brasil é visto pelo cinema estrangeiro.





CINE QUE PENSA

Uma seleção impecável de títulos pra quem acha que cinema não é só pretexto pra degustação de pipoca. Há desde obras fundamentais como O Homem Com a Câmera, de Dziga Vertov, e Outubro, de Sergei Eisenstein, a raridades como O Leão de Sete Cabeças, de Glauber Rocha, e Terra sem Pão, de Luis Buñuel. Difícil privilegiar algum dos 24 títulos, todos merecem ser vistos. Um que merece destaque pelo seu caráter de absoluta raridade é El Topo, do recluso diretor chileno Alejandro Jodorowsky, um delirante bangue-bangue rodado em 1970 e fortemente influenciado por Glauber Rocha.





DOCS LATINOS

Documentários recentes realizados em países da América Latina, quase todos focados em questões socio-políticas.



O que eu privilegiaria:

- A Dignidade dos Ninguéns, de Fernando Solanas, dá continuidade à questão enfocada em Memórias do Saqueio, em cartaz na cidade.

- Kordavision, sobre a vida e obra de Alberto Korda, autor da célebre foto de Che Guevara, a imagem mais reproduzida no mundo, que morreu sem ganhar um centavo de royalties.

- Os Heróis e o Tempo - A assinatura do diretor mexicano Arturo Ripstein é quasesempre garantia de qualidade e originalidade





DOX

Mais documentários! Diversos títulos são incógnitas, mas alguns chamam a atenção, como O Demônio e Daniel Johnston, melhor direção em Sundance, Como Arnold Conquistou o Oeste, sobre a escalada política de Arnold Schwarzenegger, e ainda Alô Tocayo, rodado em Cuba pelo filho do cineasta Walter Carvalho, Lula Carvalho.





EXPECTATIVA 2005

Dedicada a filmes de novos cineastas, é a seção mais difícil de decidir o que escolher, porque muitos são verdadeiras incógnitas. O negócio é arriscar mesmo.



O que eu privilegiaria:

- Um Jeito de Viver, de Amma Assante

- Murderball, de Henry Alex Rubin e Dana Adam Shapiro





FANZINEMA

Esta nova seção tem de tudo um pouco, mas a temática jovem prevalece.



O que eu privilegiaria:

- De Tim Burton: A Noiva-Cadáver, animação do diretor de O Estranho Mundo de Jack e Ed Wood

- Os Irmãos Grimm, do sempre criativo Terry Gilliam (Os 12 Macacos, Brazil)





FILME DOC

Mais documentários (!!), entre eles Era Uma Vez Iracema, que vem como extra no DVD de Iracema, Uma Transa Amazônica, de Jorge Bodansky, e A Marca do Terrir, onde o inquieto Ivan Cardoso revisita seus primeiros trabalhos.





FOCO ESPANHA

A farta produção espanhola dos últimos dois anos comparece nesta seção com 19 títulos sobre os mais variados temas – tem desde o filme oficial do Real Madri (Real Madrid: O Filme) a um musical sobre um travesti que sonha em se livrar de seu pênis (20 Centímetros).



O que eu privilegiaria:

- Crimen Ferpecto, de Alex de La Iglesia, diretor que é sempre promessa de boas doses de humor negro.

- Iberia, de Carlos Saura voltando aos filmes sobre dança e música flamenca.

- Rainhas, que reúne as musas de Almodóvar Marisa Paredes e Carmen Maura.





FRONTEIRAS

Já há alguns anos o Festival ganhou uma seção permanente com filmes sobre guerras em andamento. Os filmes em sua maioria são muito bons, mas o melhor seria se não existisse tal matéria-prima para inspirá-los. Porém, se a guerra está aí, é importantíssimo documentá-la, mesmo que a arte não consiga vencê-la.



O que eu privilegiaria:

- Sonhos de Uma Noite de Inverno, do mesmo diretor de Barril de Pólvora, o sérvio Goran Paskaljevic, ganhou o prêmio especial do júri no Festival de San Sebastián e o prêmio da crítica no Festival de Tromso.

- A Poesia da Guerra, de Rick King, documentário que mostra de forma tocante como poesia e imagens de guerra podem se misturar.





GERAÇÃO

Crianças também têm vez no Festival, e os adultos que as acompanham também devem se deleitar com alguns títulos desta seção, sempre dublados, como Wallace e Gromitt: A Batalha dos Vegetais, novo desenho de Nick Park. Filmes de temática social, como Viva Cuba, também são recomendáveis para a formação dos pequenos cinéfilos.





MIDNIGHT MOVIES

A leitura das sinopses sugere muita esquisitice. Mas bom cinema também. Os que gostaram de Old Boy, de Park Chan-Wook, vão se fartar, já que os outros dois filmes que completam, com Old Boy, sua “trilogia da vingança”, serão exibidos: Senhor Vingança e Lady Vingança. Além disso, ele também assina um dos episódios do filme Três...Extremos.



O que eu privilegiaria:

- Senhor Vingança

- Lady Vingança

- Garganta Profunda - Você vai perder a oportunidade de ver esse marco do cinema pornô na tela grande, à meia-noite?

- Entrando na Garganta Profunda, documentário sobre o impacto cultural causado pelo filme





MUNDO GAY

O que eu privilegiaria:

- Tirando o Véu, corajosa produção alemã que conta a história de uma iraniana perseguida em seu país por ser lésbica.





OCUPAÇÃO

Trata-se de filmes feitos na França durante o período de ocupação nazista, à exceção de Passaporte Para a Vida, de Betrand Tavernier, que trata da Ocupação e foi feito em 2002. É uma ótima oportunidade para se conferir algumas obras-primas do cinema francês na tela grande.



O que eu privilegiaria:

- O Boulevard do Crime. de Marcel Carné

- O Corvo, de Henri-Georges Clouzot

- Mãos Vermelhas, de Jacques Becker

- Águas Tempestuosas, de Jean Grémillon





PREMIÉRE AMÉRICA LATINA

Produções recentes de nossos vizinhos de fronteira e de idioma. Dois cineastas argentinos conhecidos por aqui comparecem com filmes decepcionantes: Um Mundo Menos Pior, de Alejandro Agresti, é bem pior do que Valentin, e ainda usa o mesmo menino, Rodrigo Noya, como chamariz sentimentalóide; já Clube da Lua, de Juan José Campanella, apenas recicla a fórmula que deu certo em O Filho da Noiva.



O que eu privilegiaria:

- Roma, de Adolfo Aristarain, é um filme com toques autobiográficos do mesmo diretor de Lugares Comuns

- Batalha no Céu, segundo filme do diretor mexicano Carlos Reygadas (do premiado Japón), concorreu à Palma de Ouro em Cannes

- Depois do Mar, de Israel Adrián Caetano





PREMIÉRE BRASIL

A safra deste ano é pródiga em bons títulos, incluindo até o documentário sobre Santos Dumont dirigido por nosso colega de Críticos.com.br, Nelson Hoineff (O Homem Pode Voar). Seria injusto recomendar que se privilegie um ou outro. Se você não pretende esperá-los entrar em cartaz, escolha alguns do farto cardápio nacional, seja ficção, documentário ou curtas.





RAYMON DEPARDON

Boa oportunidade para se conhecer a obra deste importante fotógrafo e documentarista francês. Destaque para 1974, Une Partie de Campagne, sobre a campanha de Giscard D´Estaing, que depois de eleito censurou o filme.





SHOCHIKU

O genial cineasta japonês Yasujiro Ozu já foi tema de retrospectiva no Festival do Rio anos atrás, mas é sempre bom rever seus filmes, especialmente a obra-prima Era Uma Vez Em Tóquio, que com outros três títulos seus compõe parte da mostra dedicada à produtora japonesa Shochiku. Outros cineastas produzidos pela Shochiku presentes nessa retrospectiva são Keisuke Kinoshita, Nagisa Oshima e Yoji Yamada. O que for possível conferir vale a pena.





TESOUROS DA CINEMATECA

Por ocasião dos 50 anos da morte de Carmen Miranda, esta tradicional seção do Festival do Rio a homenageia exibindo preciosidades como Copacabana, em que ela contracena com Groucho Marx, ou Entre a Loura e a Morena, do mágico das coreografias Busby Berkeley. Outros tesouros que merecem ser vistos são Soy Cuba, a obra-prima do soviético Mikheil Kalatozishvilli que passou décadas esquecida, e o clássico Encouraçado Potemkin, de Sergei Eisenstein, que será exibido em sua versão restaurada e acompanhado ao vivo por uma orquestra. Imperdível.



Outras atividades:

. Na terça-feira, 4 de outubro, às 11h, na tenda montada em frente ao Cine Odeon, acontecerá um debate sobre Documentário Político Latino-Americano, organizado pela Federação Internacional dos Críticos de Cinema, a FIPRESCI, e contará com a participação dos cineastas Fernando Solanas (Argentina), Miguel Littín (Chile) e José Padilha (Brasil, diretor de Ônibus 174), sob a mediação do crítico João Luiz Vieira. A entrada é franca, mediante a apresentação de qualquer ingresso usado no Festival.

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