Depois de Chacrinha e Cauby, o documentarista e crítico de cinema Nelson Hoineff se volta para um fenômeno de cultura popular ainda maior, o carnaval. Propõe-se a um trabalho hercúleo na linha do cinema direto de Frederick Wiseman, qual seja o de acompanhar a preparação do desfile da Portela de 2015, da escolha do samba-enredo até a apuração dos votos na Quarta-feira de Cinzas e a polêmica que se seguiu.
De tudo o que até hoje já foi feito sobre a indústria do carnaval, nada se compara a 82 Minutos em matéria de penetração e amplitude. Cada etapa do longo processo, de quase um ano de duração, é documentada nos seus momentos cruciais e decisivos. As câmeras marcam uma presença obstinada nas captações de conjunto e em detalhes geralmente não percebidos. Mas o que deslumbra de fato é o olhar atento aos indivíduos em lugar do mais habitual enfoque de massa. Hoineff conseguiu particularizar elementos que compõem o esforço coletivo, como a emoção de passistas, a expectativa de concorrentes, a tenacidade de instrutores, a soberania de dirigentes.
Resulta a radiografia mais completa que já se viu de um megaevento pautado pela precisão da performance e o profissionalismo do empreendimento. São 125 minutos de filme sobre a história completa de um desfile que precisa durar exatos 82 minutos na avenida. Faço uma ressalva ao excesso de aparições da comissão de frente, elemento pelo qual o diretor parece ter se apaixonado além da boa medida. Mas isso, se alonga um pouco mais a imersão do espectador, em nada reduz o prazer de estar ali, mediado por essa observação de lince.
Tecnicamente, o filme é um triunfo. A fotografia de Pedro Kuster e a montagem de Rodrigo Pastore merecem nota 10. Sem se prender à funcionalidade da documentação, o filme se permite voos estéticos de grande beleza, como um ensaio de mestre-sala e porta-bandeira inteiramente em closes e a sequência em que a câmera segue, enfeitiçada, a caminhada performática de uma sambista. Pelo esforço de presença, pela acuidade do olhar e pelo método criterioso, considero este o melhor filme de Hoineff até hoje.
(publicado originalmente durante o Festival do Rio 2015)