Críticas


FESTIVAL DO RIO 2005: ÚLTIMOS DIAS

De: GUS VAN SANT
Com: MICHAEL PITT, ASIA ARGENTO, LUKAS HAAS
22.09.2005
Por Nelson Hoineff
DEPRESSÃO E GRANDEZA

Existem milhões de anos-luz de diferença entre a capacidade de imprimir verdades e mentiras em uma película. Um personagem pode dizer algo indiscutivelmente verdadeiro – e ainda assim estar mentindo. A verdade, no cinema, não está no que se diz, mas na maneira como o diretor filma.



Neste sentido, Últimos Dias é um dos filmes mais verdadeiros que se poderiam conceber sobre um quadro de depressão. Disse “quadro de depressão” e me arrependo imediatamente. Não é sobre um caso clínico que discorre o novo filme de Gus Van Sant, mas sobre uma profunda questão existencial. Não é tampouco sobre o abuso de drogas, embora o filme se inspire nos últimos dias de Kurt Cobain e nas circunstâncias do suicídio do líder do Nirvana e do movimento grunge. Do que o filme fala na verdade é de um personagem atormentado por um mundo que lhe parece desprezível. De um embate entre a riqueza espiritual e um ambiente hostil a toda forma de inteligência e de sensações acima de pueris.



A questão é que o mundo é efetivamente desprezível. E a percepção que dele tem Blake (Michael Pitt) deixaria no mesmo estado qualquer ser humano com mais de dois neurônios. Van Sant não precisa dizer isso, em primeiro lugar porque qualquer idiota poderia desfilar uma coleção interminável de asneiras para explicar o personagem que sabe que já não tem mais saída. Depois porque Van Sant é simplesmente capaz de perceber sobre o que ele está falando e de imprimir isso com todos os detalhes no filme que está fazendo.



Há muito nele de Elephant, seu filme anterior, pelo menos no que diz respeito ao prenúncio obsessivo da morte. Elephant, no entanto, repousa no relato admirável de uma ação fictícia tratada em tom documental. Nele, o olhar do cineasta está infiltrado nas relações interpessoais e ao mesmo tempo num brechtiano plano geral tomado de algum ponto da estratosfera. Já em Últimos Dias, o olhar é o do personagem sobre o mundo e sobre si mesmo. O que é visto de fora não interessa, a não ser para dar intensidade à informação percebida por Blake. Blake está só, com o espectador. Não há nada mais que precisemos para ser parte dele.



A compreensão profunda do que está filmando faz com que Van Sant passe batido sobre questões terrenas como drogas e poder para se ater na única coisa que interessa: um ser humano de verdade, mostrado com uma verdade que não muitos outros cineastas seriam capazes de entender. E de expressar de forma tão admirável.



# ÚLTIMOS DIAS (Last Days)

EUA, 2005

Direção e Roteiro: GUS VAN SANT

Elenco: MICHAEL PITT, ASIA ARGENTO, LUKAS HAAS

Duração: 97 min.

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