No caminho que a leva para longe da dizimada Dogville, Grace se depara com um lugar chamado Manderlay, que ainda conserva uma estrutura escravocrata. À primeira vista, Grace decide se instalar ali para mudar o rumo dos acontecimentos. Ledo engano. Encontra, isto sim, um povoado onde tem a oportunidade de exercer a sua bondade autoritária. Indignada com a perpetuação de um modo de vida sub-humano, ela não mede esforços para instalar um sistema democrático, não deixando, porém, de se posicionar na liderança dele. Não quebra, portanto, a ordem hierárquica. Mas desestabiliza uma cadeia cujo equilíbrio repousava sobre papéis estabelecidos. Lars Von Trier lembra que distanciar-se do papel determinado pode ser bastante perigoso. E defende a idéia de que dominado e dominador são funções exercidas, até certo ponto, em comum acordo.
Pode parecer muito, mas é pouco para o filme. O motivo: Trier facilita a vida do público. É como se (quase) tudo estivesse evidenciado no texto. Ao se voltar para a América, o diretor não conseguiu evitar um esvaziamento no que diz respeito à densidade das personagens, decrescente nos trabalhos mais recentes. Dançando no Escuro (principalmente), Dogville e Manderlay revelam algum nível de renúncia do mergulho existencial presente em Ondas do Destino e Os Idiotas . Se em Dogville Lars Von Trier já não se aprofundava tanto nas próprias opções – a decisão de filmar em cima de um palco gerava mais impacto pelo inusitado da proposta do que um incômodo real e/ou um aproveitamento de fato da gramática teatral no cinema –, em Manderlay sobressai, ao final da projeção, uma sensação de indiferença, apesar das boas passagens (em especial, a cena de sexo) e dos momentos de qualidade de parte dos atores.
# MANDERLAY
Dinamarca/ Suécia/ França/ Holanda/ Alemanha, 2005
Direção e roteiro: LARS VON TRIER
Elenco: BRYCE DALLAS HOWARD, ISAACH DE BANKOLÉ, WILLEM DAFOE, DANNY GLOVER, LAUREN BACALL
Duração: 139 minutos