Críticas


FESTIVAL DO RIO 2005: SOY CUBA, O MAMUTE SIBERIANO

De: VICENTE FERRAZ
26.09.2005
Por Carlos Alberto Mattos
RESGATE PRECIOSO

Em 1962, no auge da guerra fria, uma equipe soviética desembarcou em Cuba para fazer um filme que celebrasse a revolução de Fidel e selasse uma parceria cultural subsidiária à aliança política e econômica. Mikhail Kalatozov, cineasta outrora em desgraça na URSS, mas catapultado à fama internacional pela Palma de Ouro de Quando Voam as Cegonhas, seria o responsável pela direção de Soy Cuba. Dois poetas – o russo Eugeni Yevtuchenko e o cubano Enrique Pineda Barnet juntaram forças para escrever o roteiro de um épico que expressasse a sublevação da vanguarda revolucionária contra as misérias impostas em Cuba pelo imperialismo norte-americano. Universitários, populares, camponeses e guerrilheiros caminhariam no mesmo rumo do triunfo da revolução.



O resultado, após quase dois anos de produção, foi um dos filmes mais extraordinários, do ponto de vista formal, da história do cinema. Ecos de Eisenstein, do Fellini de A Doce Vida e dos Cinemas Novos do momento se somam de maneira às vezes extravagante. O diretor de fotografia Sergei Urusevsky e o operador de câmera Alexandre Calzatti criaram pontos-de-vista sobre-humanos para elevar o sentido da História. Planos-seqüência elaboradíssimos, com uso de câmera na mão, elevadores e teleféricos, entraram para as antologias da técnica cinematográfica. Negativos infra-vermelhos (feitos para filmar a Lua), efeitos óticos diversos, distorções sonoras, nada foi poupado para a retórica plástica de Soy Cuba.



Mas tudo seria em vão. Os soviéticos não deram bola para o filme. Os cubanos, por sua vez, não se reconheceram na estética eslava nem na poética declamatória de Soy Cuba. O filme caiu no ostracismo durante 30 anos até que Martin Scorsese e Francis Coppola, já depois da derrocada do comunismo, o resgatassem para um primeiro lançamento internacional. Era o nascimento tardio de um clássico. Para o crítico americano J. Hoberman, era a exumação de um fantástico “mamute siberiano”.



A expressão de Hoberman rendeu o título do documentário do brasileiro Vicente Ferraz, feito para desenterrar as memórias daquele curioso momento da diplomacia cinematográfica internacional. Soy Cuba – O Mamute Siberiano, vencedor do prêmio da crítica e de melhor documentário no último Festival de Gramado, já é sucesso no exterior antes de ser lançado no Brasil. O Festival do Rio o está exibindo, assim como o clássico de Kalatozov, e conta com a presença de Barnet para conferências e debates.



Ferraz, ex-estudante da Escola de Cinema e TV de Cuba, fez um trabalho de extremo profissionalismo e grande sensibilidade. Ele não está interessado em revolucionar o documentário nem sobrepor-se ao seu tema. Usa uma narração pessoal, mas privilegia as entrevistas, os muitos excertos do filme e um precioso material de arquivo do ICAIC – Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica. Contexto e circunstância vêm à tona exemplarmente entrelaçados. A história das filmagens e da repercussão de Soy Cuba é recontada pelos depoimentos de Barnet, de atores, do autor da trilha sonora, de membros da equipe técnica – inclusive o cinegrafista Calzatti, entrevistado na Rússia – e do presidente do ICAIC, Alfredo Guevara.



O documentário revisita as locações do clássico e consegue evocar todo um período de turbulência política. O espectro de relações estabelecidas pelo filme inclui o cinema latino-americano (teria sido Glauber influenciado por Kalatozov?). Já o paralelo entre o relativo esquecimento de Soy Cuba e a decadência do sonho revolucionário cubano é um dos recursos menos sutis empregados por Vicente Ferraz, embora pareça irresistível.





# SOY CUBA – O MAMUTE SIBERIANO

Brasil, 2004

Direção e roteiro: VICENTE FERRAZ

Duração: 90 minutos





# SOY CUBA (YA KUBA)

URSS/Cuba, 1964

Direção: MIKHAIL KALATOZOV

Roteiro: EUGENI YEVTUCHENKO e ENRIQUE PINEDA BARNET

Elenco: SERGIO CORRIERI, SALVADOR WOOD, JOSÉ GALLARDO, RAÚL GARCÍA, LUZ MARÍA COLLAZO, JEAN BOUISE

Duração: 141 minutos

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