Há dois filmes diferentes em O Jardineiro Fiel: o primeiro é uma história de amor entre um diplomata e uma ativista política. O segundo é um thriller político sobre atividades ilegais experimentadas por poderosos laboratórios farmacêuticos na África, que tem como personagens principais o mesmo casal da história de amor. Cabe ao diretor brasileiro Fernando Meirelles, em sua primeira grande produção estrangeira, estrelada por astros hollywoodianos, a tarefa de tentar encontrar o equilíbrio entre romance e thriller nessa adaptação de um livro de John Le Carré (que em 2001 teve seu O Alfaiate do Panamá levado às telas por John Boorman).
Como o que credenciou Meirelles para dirigir o filme foi o talento demonstrado em Cidade de Deus, ele cumpre exatamente o que o estúdio espera: fazer de O Jardineiro Fiel um filme com ritmo ágil, atores convincentes, tornando plausível e envolvente uma história um tanto mirabolante que envolve assassinatos misteriosos, chantagem, corrupção, traições, vilania e injustiça social em doses elevadas. E que nas mãos de um diretor menos talentoso poderia descambar para mais uma daquelas coleções de clichês “made in Hollywood”. Quando está em jogo uma história de forte denúncia social, há ainda o risco extra de se cair na pieguice. Embora o romance de Carré seja ficcional, há toda uma atmosfera de “baseado em fatos verídicos” (com direito a uma vinheta, antes do filme iniciar, em que a atriz Rachel Weisz aparece fazendo propaganda de uma instituição de caridade que leva donativos aos necessitados da África). A intenção primordial é a de provocar a indignação do espectador para com as injustiças que se vêem na tela, e esse objetivo também é atingido.
Desde o início, se percebe que estamos diante de um diretor diferenciado, que sabe filmar. Mesmo trabalhando dentro dos limites impostos por uma produção deste tipo, em que normalmente há pouco espaço para toques autorais de direção, Fernando Meirelles procura, sempre que possível, buscar um enquadramento diferente, se apropriar do elemento geográfico (a paisagem e o povo africanos) sem aquele olhar-clichê do estrangeiro, fazendo com que o espectador apreenda elementos da trama com o seu auxílio, e sem cair no virtuosismo gratuito. O calcanhar de Aquiles de Meirelles – e do filme – é justamente aquele terreno por onde o diretor ainda não passeia com tanta segurança, o do filme de amor. Percebe-se grande dificuldade para contar a história do casal Justin e Tessa, por melhor que sejam os desempenhos de Ralph Fiennes e Rachel Weisz.
Do momento em que os dois se conhecem, numa situação de confronto durante uma entrevista coletiva, até a hora em que vão para a cama e logo em seguida já estão de malas prontas pra África, se passam poucos minutos. Essa pressa é bastante prejudicial. Numa história de amor trágico em que o silêncio é um elemento marcante na relação, a câmera de Meirelles parece não saber respeitar isso, como que atropelada pela verborragia da trama de suspense. Para se entender a incomunicabilidade como causadora direta da crise afetiva e indireta na tragédia que se segue, era preciso dar tempo para que o vazio emergisse na tela. O gosto de Justin pela jardinagem, onde ele se refugia de um casamento em crise e que exemplificaria a sua alienação em contraponto ao engajamento político de Tess, é pouquíssimo explorado. O romance de Carré não se chama O Jardineiro Fiel à tôa. Só que, no filme, a opção pelo thriller político venceu. A história de amor, que nunca ganha vida própria, parece servir apenas de “escada” para a denúncia social. Não deixa de ser uma causa nobre, dada a importância do tema. Mas poderia-se esperar por mais.
# O JARDINEIRO FIEL (THE CONSTANT GARDENER)
Inglaterra, 2005
Direção: FERNANDO MEIRELLES
Roteiro: JEFFREY CAINE
Produção: SIMON CHANNING-WILLIAMS
Fotografia: CÉSAR CHARLONE
Montagem: CLAIRE SIMPSON
Música: ALBERTO IGLESIAS
Elenco: RALPH FIENNES, RACHEL WEISZ, DANNY HUSTON, HUBERT KOUNDÉ
Duração: 129 min.
site: www.the constantgardener.com
