Críticas


É APENAS O FIM DO MUNDO

De: XAVIER DOLAN
Com: NATHALIE BAYE, VINCENT CASSEL, MARION COTILLARD, LÉA SEYDOUX, GASPARD ULLIEL
24.11.2016
Por João de Oliveira
Um dos melhores resultados do autor na direção com cinco interpretações geniais.

Quando se conhece a história da peça de Jean-Luc Lagarce, não é difícil entender as razões que levaram Xavier Dolan a adaptá-la para o cinema. A presença de alguns de seus temas recorrentes (problemas familiares, a homossexualidade, o direito à diferença, a mistura de drama e de comédia, entre outros) pode levar o espectador desavisado a considerá-la como um roteiro original escrito pelo ou para o cineasta.

Após 12 anos de ausência, Louis, o filho pródigo, retorna ao seio familiar para anunciar a sua morte iminente. Todavia, ao invés de falar, Louis é obrigado a escutar a condenação de sua família ao seu comportamento distante, que consideram quase como uma forma de arrogância e de desprezo por eles. Desta forma, o que poderia ser um simples momento de reconciliação e perdão, diante das vicissitudes existenciais, acaba funcionando como um ajuste de contas em razão da impossibilidade de diálogo entre eles.

De um lado, o dramaturgo de sucesso, cuja carreira eles acompanham pela imprensa, parece não ter muito o que conversar com seus próximos. Suas parcas e vacilantes tentativas de aproximação, que se assemelham mais a uma certa condescendência, são mal interpretadas e se voltam contra ele. Durante os 12 anos de ausência, suas notícias resumem-se ao envio formal, nas datas festivas, de cartões-postais com três ou quatro linhas banais.

No outro lado do conflito, temos uma família que parece ter pressa não necessariamente em conhecer as razões do desaparecimento ou do retorno do filho querido, mas em condená-lo. Se Louis, lacônico, dá a impressão de pensar e pesar cada gesto, cada palavra, sua família é verborrágica, intuitiva e passional, pouca atenta ao que o Outro tem para anunciar (exceção para Catherine, a cunhada, que tenta escutá-lo e entendê-lo). Todos querem manifestar seu descontentamento e o fazem com uma certa veemência. Sobretudo o bronco irmão mais velho. Agressivo e ciumento, Antoine não permite que sua família esqueça o passado (quando o que eles querem, especialmente a mãe e Louis, é reviver um certo passado), não admite que façam festa para Louis, que o recebam com carinho, fazendo questão de ostracizá-lo, de tentar impedir que ele seja admirado pelos outros.

Embora as razões para o conflito entre os dois irmãos sejam silenciadas, não é impossível, dado o elevado índice de machismo de Antoine, pensar em vergonha e, por extensão, em homofobia latente, uma vez que a peça de Lagarce, que morreu de Aids em 1995, denunciava a intolerância aos doentes que existiu em certos meios entre os anos 80 e 90 (o dramaturgo era de um meio popular e protestante). Também não é improvável que alguns deles adivinhem a razão da visita e decidam puni-lo por tê-los privado de uma convivência mais estreita e mais constante.

A falta de uma alusão mais direta à doença do personagem talvez prejudique o entendimento por parte de alguns espectadores. Se Lagarce não o faz em seu texto é porque no momento em que foi escrito, final dos anos 80, a Aids encontrava-se em seu pico epidêmico que dizimava milhões de pessoas pelo mundo, além do fato de que, na França, todo mundo sabia que o ator e dramaturgo estava doente. Nesse sentido, o título da peça talvez fizesse alusão mais à época, em razão do aspecto destrutivo da doença, do fim do comunismo e da queda do muro de Berlim, do que aos conflitos familiares. Para compensar essa ausência, Dolan faz algumas referências à homossexualidade do personagem que talvez não sejam suficientemente claras.

A narrativa parece voluntariamente ambivalente. Ao mesmo tempo em que a família é representada como simplória e desambiciosa, conotando a diferença entre eles e Louis e apontando uma razão possível para a sua ausência e falta de comunicação (não tendo absolutamente nada em comum, ele não teria muito a lhes dizer nem a ouvir da parte deles), ela é filmada, na imensa maioria dos planos, em leve plongé, como se estivesse sendo esmagada pelo olhar soberbo de Louis, quase sempre filmado em contra-plongé e com apenas uma parte do rosto iluminada, simbolizando seus segredos, seu lado obscuro. Desta forma, o intelectual, espécie de alter ego do diretor, aparece ao mesmo tempo como vítima, do olhar preconceituoso do Outro, e como algoz, em razão de seu sentimento de superioridade. Nesse último caso a narrativa parece entender as queixas dos irmãos, tornando Louis progressivamente mais distante e silencioso. É como se ele compreendesse e aceitasse as críticas ao seu comportamento.

A câmara, muito próxima dos atores, adota uma postura quase psicanalítica, perscrutando e tentando descobrir as motivações interiores de cada um, as razões para tanta animosidade, para tanta distância entre pessoas que se amam, apesar das diferenças.

Os primeiros planos no interior da casa familiar, quando o corte violento de alguns legumes antecipa o clima pesado da história, remete ao início de Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, quando o clima de preparação de um churrasco transforma-se em metáfora da violência do filme.

Ao optar por filmar quase que inteiramente em closes e planos de detalhes, sem quase nenhuma profundidade de campo, a direção, uma das melhores e mais seguras de seu diretor, revela personagens encurralados, desfocados (ausência de clareza?), fragmentados e mutilados por causa dos conflitos decorrentes da ausência incompreensível e aparentemente injustificável do irmão querido. A falta de espaço e de perspectiva no interior da casa remeteria às limitações intelectuais da família, simbolizando seu aspecto provinciano em oposição à urbanidade de Louis. Essa diferença entre o campo e a cidade aparece claramente em três momentos. Na viagem do aeroporto à casa, situada no campo, na França profunda; quando Louis alude ao fato de que sua família tem a impressão de que ele vive em um outro país, quando na realidade ele viveria não muito longe (a distância não é espacial, mas cultural) e quando os dois irmãos saem de carro para comprar cigarros e demoram para chegar ao lugar desejado.

Além da direção, vale ressaltar o trabalho dos atores. Com personalidades e perfis sociopsicológicos extremamente marcados e diferenciados, os cinco atores estão simplesmente geniais. Além dos diálogos brutais, eles transmitem muita emoção e dramaticidade através dos muitos silêncios e da troca violenta de olhares. A sequência final, extremamente bem-sucedida, é um grande momento cinematográfico. Há tempos não via um filme com um grupo de personagens tão compactos, tão redondos e justos em suas respectivas caracterizações e representações.

Com É Apenas o Fim do Mundo o cineasta mantém o seu interesse pelos conflitos familiares; pela música popular como um momento de integração, de harmonia e de ruptura momentânea das tensões; pela elaboração dos diálogos como uma das principais ferramentas dramáticas de seus filmes ; pelos problemas colocados pela alteridade e pela dificuldade de se colocar no lugar do Outro. Uma vez mais o prodígio canadense procura discutir a forma como as escolhas pessoais podem afetar, direta ou indiretamente, a coletividade não para denunciar o egoísmo ou o caráter autocentrado dessas escolhas, mas para demonstrar como, em um mundo excessivamente estandardizado, a livre expressão da individualidade pode ser percebida como um elemento perturbador capaz de induzir a manifestações de intolerância.

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