Críticas


É APENAS O FIM DO MUNDO

De: XAVIER DOLAN
Com: NATHALIE BAYE, VINCENT CASSEL, MARION COTILLARD, GASPARD ULLIEL, LÉA SEYDOUX.
23.11.2016
Por Luiz Fernando Gallego
Devido aos magníficos desempenhos dos atores não há como resistir a essa tentativa de reconfigurar o subgênero de “teatro filmado”.

Roteiro que vem de um texto tipicamente teatral (peça de Jean-Luc Lagarce), tanto nos diálogos como na situação geral e no desenvolvimento: reencontro familiar de um filho (que não visita seus parentes há 12 anos) com sua mãe, a irmã mais nova e o irmão mais velho cuja esposa ele nunca viu antes porque nem ao casamento do irmão compareceu.

Cenas de grupo com gritarias e alguma lavagem de roupa suja com direito a duetos para duplas intercambiantes. Poderia ser uma peça do antigo teatrão realista americano de Arthur Miller, Clifford Odets ou outros, mas sem chegar a ser Edward Albee. Também não é "A Volta ao lar" de Harold Pinter.

O superestimado diretor Xavier Dolan, responsável por alguns filmes histéricos, outros apenas banais, e uma obra que tem provocado mais sensação do que substância (ao nosso ver), tem aqui a melhor de suas realizações, dentre os filmes que conhecemos de sua autoria. O que em si mesmo poderia não ser nada tão recomendável, não fosse o elenco de sonhos que vive as cenas como um quinteto de música de câmera (estridente).

Nathalie Baye faz a mãe, personagem com mais oportunidades que a atriz não desperdiça em nenhum segundo, dizendo as falas em uma composição corporal e psicológica que varia “de dentro para fora” ou/e “de fora para dentro” numa interpretação antológica. Seria uma “ladra de cenas”, não estivesse dividindo o palco – ops, a tela - com um Vincent Cassel insuportável para ser adequado ao personagem que tanto pode estar ferrando com tudo, como talvez não passe de um borderline, sem condições para suportar suas emoções não-reveladas: outro desempenho notável de Cassel por não temer a antipatia manifesta do tipo que incorpora mas que ainda consegue passar nas entrelinhas o subtexto do que lhe é afetivamente insuportável tolerar e assumir.

Ao lado da extroversão de Cassel, Marion Cotillard fica ainda mais discreta e sutil - como também é pertinente para a personagem da esposa submissa ao marido e que tenta contemporizar com os excessos da sogra: mais uma vez a atriz usa seu semblante privilegiado, agora para trocar “palavras mudas” com o cunhado com o qual empatiza de cara (e vice-versa). Este é vivido por Gaspard Ulliel numa chave totalmente diversa do que foi o “Saint Laurent” que ele interpretou no filme de Bertrand Bonello; aqui, ele tem que desempenhar um papel quase silencioso em franca sintonia com o estilo escolhido por Cotillard para suas trocas de olhares - que dizem mais do que toda a falação da “mãe” e do primogênito. Por fim, Léa Seydoux tem uma de suas melhores composições numa personagem mais "plana" e com menos oportunidades – exceto pelos momentos de gritaria a que também a irmã caçula precisa recorrer para se fazer ouvir, sem conseguir nada além de se manter submissa à mãe dominadora.

Dolan faz uma tentativa heroica de reconfigurar o subgênero, geralmente mal visto, de “teatro filmado”, assumindo a opção de filmar quase todas as cenas em closes gigantescos dos rostos dos atores que, assim, não teriam nada a esconder se tivessem eventuais falhas – o que, graças aos deuses das grandes interpretações, não acontece.

Há cenas menos gritadas como no fabuloso diálogo cheio de subtextos entre a mãe e o filho visitante, filmado, em parte, em planos americanos. A fotografia de André Turpin funciona muito bem nos momentos mais prosaicos dos relacionamentos entre os personagens, mas escorrega no sentimentalismo “dourado” da cena de sexo em flashback e mais ainda no final, no qual Dolan introduz uma avezinha que explicita tudo que já estava mais do que evidente para o espectador quanto ao não-dito familiar. Nessas horas é que as limitações de juventude (mas ainda?) do diretor saltam aos olhos, prejudicando o que poderia ser um filme muito melhor, ainda que o texto de base não tenha quase nada mais original; pelo contrário, como já foi dito acima, repetindo situações já exploradas muitas vezes (e melhor) pelo teatro tradicional, especialmente o norte-americano de viés naturalista dos anos 1950/60.

Mas como resistir a ver/rever esses atores incríveis dando vida a personagens e situações que, com ajuda deles, ficam mais próximas da realidade humana e suas dores forcluídas?













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Outros comentários
    4451
  • Allard Amaral
    24.12.2016 às 13:58

    "É apenas o fim do mundo" novo filme de Xavier Dolan diretor de "Mommy". Parece o melhor filme dele até então, uma peça de teatro filmada com ótimo elenco e bons recursos cinematográficos. A história explode na tela, nos deixando como testemunhas de todo o drama de Louis (Gaspard Ulliel), ausente do convívio da família por 12 anos. A razão do seu retorno, e as relações familiares fazem a grande diferença do filme. O resultado comove, irrita e intriga o público !!!