Críticas


EU, DANIEL BLAKE

De: KEN LOACH
Com: DAVE JOHNS, HAYLEY SQUIRES, BRIANA SHANN, DYLAN McKIERNAN, SHARON PERCY.
05.01.2017
Por Luiz Fernando Gallego
Loach faz mais um filme envolvente, ainda que pesando a mão no maniqueísmo para reafirmar suas justas críticas.

Segunda Palma de Ouro em Cannes do veterano Ken Loach que neste filme denuncia a desumanização do sistema de auxílio-doença britânico: seja pela transferência para a internet dos passos que o necessitado precisa dar (sem familiaridade com a internet? Dane-se!) para solicitar um auxílio-doença ou recorrer de um indeferimento injusto, seja pela própria transformação das pessoas que atendem o público em seres robotizados que seguem protocolos rígidos, insensíveis ao bom senso, sem nenhuma capacidade de identificação com o sofrimento alheio. Não que o personagem central seja um choramingas: Daniel é um idoso muito ativo, exceto por ter sofrido um grave problema cardíaco; em recuperação, ainda tem recomendação médica de não retornar ao trabalho por enquanto - o que ele até desejaria, e muito.

Paralelamente ao labirinto burocrático em que Daniel vai sendo enredado, Katie, uma jovem mãe solteira de dois filhos, passa por enormes vicissitudes com as quais Dan empatiza, tentando minimizar os problemas dela, mesmo sem conseguir resolver as próprias adversidades que “o sistema” lhe impõe.

Como sempre, Loach é bastante persuasivo, demonstrando didaticamente as falhas das instituições inglesas quanto ao real apoio social que - no caso, não - é oferecido aos necessitados.

Por mais realistas que sejam as situações desenvolvidas neste roteiro, fica, entretanto, a sensação que desta vez Loach pesou a mão no maniqueísmo para reafirmar suas críticas, por mais justas e pertinentes que sejam. Não é dizer que os obstáculos que Daniel e Katie enfrentam sejam inverossímeis, o que pode ser questionado é o acúmulo de descaminhos que o enredo reserva para ambos, o que pode acabar soando implausível pelo excesso de desgraças sucessivas, pontificando no lance algo melodramático do encontro de Daniel com Katie em uma situação indigna.

Por outro lado, não há como negar que o tarimbado diretor consegue envolver totalmente a plateia nos dramas retratados, contando para isso com desempenhos absolutamente cativantes de Dave Johns e Hayley Squires. Mereceriam justíssimos prêmios, sem menosprezar as crianças que fazem os filhos de ‘Katie’, especialmente a menina Briana Shann.

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Outros comentários
    4492
  • Eugenio
    09.01.2017 às 18:11

    Aonde está o maniqueísmo a que se refere o crítico? Na sua crença que o labirinto burocrático é o mal necessário e que o esforço de superar as barreiras criadas são o bem? Que o choque disto é o embate entre trevas e luz? Penso que sua conclusão é um deus ex machina. Apesar do desfecho emocional e até um tanto previsível, o filme cumpre bem o papel de denunciar os absurdos. Exemplo desta situação experimentei recentemente. Fui a uma agencia do INSS e disseram-me que somente poderiam atender mediante agendamento pela internet. Mas não havia alguém sendo atendido, todos os guichês estavam vazios. Perguntei porque não poderia ser atendido. "são as regras". Noutro dia tentei comprar uma passagem de ônibus para minha esposa. Pediram o número da carteira de identidade. Disse que não o tinha, então não me venderam a passagem. Onde há maniqueísmo nestas situações? Explique como se eu tivesse seis anos, por favor.
    • 4493
    • Luiz Fernando Gallego
      09.01.2017 às 19:54

      Prezado Eugenio: por mais que um filme como este seja realista, naõ deixa de ser uma ficção, e portanto com uma dramaturgia. Em momento algum a resenha deixou de reconhecer a plausibilidade dos eventos escolhidos pelo diretor-roteirista para apresentar suas ideias; o que foi questionado diz respeito à construção desta ficção como tal. Releia o trecho: "Não é dizer que os obstáculos que Daniel e Katie enfrentam sejam inverossímeis, o que pode ser questionado é o acúmulo de descaminhos que o enredo reserva para ambos, o que pode acabar soando implausível pelo excesso de desgraças sucessivas, pontificando no lance algo melodramático do encontro de Daniel com Katie em uma situação indigna". Temos por hábito evitar relatar detalhes do enredo, por isso não fui explícito ao mencionar a "situação indigna" de Katie: prostituição. Recorro também a um trecho de outra crítica, do colega Carlos Alberto Mattos em seu blog: "...senti um certo automatismo na sucessão de infortúnios dos personagens. O roteiro parece preencher um daqueles formulários excruciantes da assistência pública. Tem funcionários insensíveis? Sim. Tem seguranças durões? Sim. Tem serviços telefônicos que nunca atendem? Sim. Tem humilhação informática de idosos? Sim. Tem roubo vexaminoso no supermercado? Sim. Tem acesso de fome na fila da cesta básica? Sim. Tem recurso à prostituição? Sim. Tem bullying infantil por causa da pobreza? Sim. Tem desespero levado às ruas em forma de protesto? Sim. Tem limite para o calvário de Daniel Blake? Não." Neste sentido é que, apesar da reconhecida capacidade de envolver a plateia, o filme, ao meu ver (e, creio eu, do colega citado) apresenta o problema de reiterar o que quer demonstrar com excesso de situações - por mais que elas sejam, cada uma em si, verossímil. Acaba soando maniqueísta: as vítimas e o sistema malvado. Isso é verdadeiro? É. Ou pode ser. mas pecou pelo excesso quantitativo quando o que o diretor quer demonstrar ficaria suficientemente claro com menos exemplos cumulativos. Um abraço.
    4496
  • Allard Amaral
    16.01.2017 às 07:09

    "Eu Daniel Blake" é um drama comovente, emocionante e verdadeiro. Sobre o sistema previdenciário inglês, tendo como mote o recebimento do auxilio doença pelo protagonista. Sua luta, sua peregrinação pelas instituições públicas, seu sofrimento, de um homem idoso e solitário. Sua amizade com a mãe solteira Katie e seus problemas para sobreviver. Achei um grande filme !!!
  • 4507
  • Andréa Mello Rêgo
    15.02.2017 às 08:50

    Mais uma critica muito lúcida, Luiz Fernando ! Concordo muito com você! O filme é bom, as atuações são ótimas mas o maniqueísmo é flagrante. Seu prêmio em Cannes revela o viés político das premiações nesses festivais. No futuro, penso que um filme como seu concorrente "Elle", de P. Verhoven, ecoará muito além de seu tempo do que "Daniel Blake". Um abraço!
    • 4508
    • Luiz Fernando Gallego
      15.02.2017 às 08:54

      Obrigado, Andréa.