Críticas


SE EU FOSSE VOCÊ

De: DANIEL FILHO
Com: TONY RAMOS, GLÓRIA PIRES, THIAGO LACERDA, GLÓRIA MENEZES, LAVÍNIA VLASAK
25.01.2006
Por Ricardo Cota
CINEMA ESPUMA

Se eu Fosse Você provocou no crítico um desconforto. Se disser que não riu, mente; se disser que não se divertiu, mente; se disser que gostou, mente. Não é fácil estar diante de um filme que “funciona”, “contagia” e que “atinge seu objetivo” de estourar bilheterias. E aqui não há subterfúgios. À exceção do histrionismo de Tony Ramos, que confirma a verve cinematográfica de um medalhão das telenovelas, não há alça de segurança para a crítica. Daí seja sintomático que este site, mesmo diante das evidências exitosas da “comédia do verão”, tenha levado tanto tempo a colocar no ar um texto a respeito de um filme sobre o qual não se pode escrever sem o recurso das aspas, espécie de pára-quedas do clichê. Trata-se de um caso de rejeição inconsciente.



Pobre crítico. Se em A Partilha havia o subtexto da falência da classe média, se em Dois Filhos de Francisco existia o recurso a uma brasilidade latente, se em Carandiru apelava-se ao revestimento da crise penitenciária, aqui não há nada que alimente o argumento confortável do equilíbrio entre sucesso comercial e qualidade de conteúdo. Se Eu Fosse Você é assumidamente direto em seu propósito de retorno imediato. Abraça-se incondicionalmente aos estereótipos. E é justamente essa desfaçatez, essa coragem de entrega, que faz dessa “bobagem” um filme a ser visto com todas as atenções, como o grande manifesto, o “Terra em Transe” do que poderíamos chamar de Cinema Espuma, um gênero que enfim assume com orgulho a sua condição de entrega ao mercado e às gordas bilheterias, seja nas salas de cinema, no comércio de DVD ou na futura exploração nos canais de tevê aberta ou a cabo.



Que não se subjugue, portanto, o profissionalismo de Se Eu Fosse Você. A competência da equipe técnica é inatacável. Destacaria o mérito dos roteiristas, que conseguiram, com esse filme-manifesto (involuntário, bem entendido), ir ao fundo de uma concepção de cinema que não esconde suas origens e propósitos de entreter sem compromisso. Se Eu Fosse Você não apenas copia (o argumento remete a "Do que as Mulheres Gostam", com Mel Gibson no papel de um publicitário que lê os pensamentos das mulheres) mas cria seus próprios estereótipos de uma "ambiência" cinematográfica comercialmente palatável.



A classe média alta, as crises conjugais, as relações distanciadas com os

filhos, os escritórios de publicidade, os carrões, os restaurantes, as

casas com piscinas e telas planas, as mães endinheiradas, enfim... Tudo

reflete um Brasil idealizado, moldado na voga da globalização, que

exige seu lugar no Conselho de Segurança da ONU cinemátográfica. Este

Conselho etéreo que faz a Barra da Tijuca de Se Eu Fosse Você

parecer um bairro da periferia da Madri de Rainhas, de Manuel Gómez Pereira. A busca da identidade deixa de ser particular para se generalizar e consagrar uma tese de amplo sentido: “ser brasileiro é ser global”. Bom slogan, hein Daniel Filho?



Show-room do status quo, Se Eu Fosse Você mostra que do ponto de vista estético não progredimos nem regredimos. Simplesmente nos adaptamos, num

conformismo sem culpa, às demandas de uma ordem dominante. Aprendemos a fazer comédias vazias, efêmeras, sem esbarrar no ridículo técnico. Com isso,

garantimos emprego a profissionais do cinema e geramos alguma cultura

cinematográfica própria. Não dá para saber ainda se a elite que nasce desse novo cinema, que tem a bilheteria como Oscar, pode sufocar de vez um cinema autoral, combativo e crítico. Talvez não.



O incômodo para o crítico, cujo ofício, apesar das superficiais resenhas semanais, exige algum aprofundamento, é constatar que chegamos ao ápice do Cinema Espuma, o cinema só de superfície, sem rastro de consistência. A comicidade gratuita de Se Eu Fosse Você até rende seqüências realmente engraçadas, como a do mictório, mas carrega em outras desprovidas de sentido, como a da apresentação do coral, que além de improvável parece extraída de “Mudança de Hábito”, com Whoopi Goldberg. Isso sem contar o momento “Frenéticas”, com Patrícia Pillar (já visto em A Partilha, do mesmo Daniel Filho), e as presepadas de Tony Ramos na piscina.



Assim como recorre obsessivamente ao cômico para ocultar suas fragilidades, o roteiro não titubeia em utilizar recursos eticamente duvidosos para sustentar algumas soluções narrativas. A riqueza da mãe da protagonista, por exemplo, é reforçada numa seqüência pavorosa, dentro de um shopping, em que Glória Menezes fala ao celular ao lado de um negro de terno segurando várias bolsas. É o preço da solução fácil, do conforto sem compromisso, aplicar um serviçal estereotipado como adereço para o bom funcionamento da engrenagem.



Se eu Fosse Você “funciona”, “diverte”, mas não resiste a qualquer comentário “mais aprofundado”. Problema do crítico.



# SE EU FOSSE VOCÊ

Brasil, 2005

Direção: DANIEL FILHO

Roteiro: CARLOS GREGÓRIO, ADRIANA FALCÃO, DANIEL FILHO E RENÉ BELMONTE

Direção de Fotografia: JOSÉ ROBERTO ELIEZER, ABC

Direção de Arte: MARCOS FLAKSMAN, ABC

Figurinos: BETH FILIPECK

Montagem: FELIPE LACERDA

Som Direto ZEZÉ D’ALICE

Edição de Som MIRIAN BIBERMAN, ABC, RICARDO REIS

Direção Musical GUTO GRAÇA MELLO

Produção: - IAFA BRITZ, MARCOS DIDONET, VILMA LUSTOSA, WALKIRIA BARBOSA, DANIEL FILHO

Elenco: TONY RAMOS, GLÓRIA PIRES, THIAGO LACERDA, GLÓRIA MENEZES, LAVÍNIA VLASAK

Duração: 104 minutos

Site oficial: clique aqui

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