Não consigo definir TONI ERDMANN como comédia. O enxergo mais como um drama familiar amargo. No entanto, há nele vários momentos cômicos, e uma de suas cenas (na festa de aniversário) me provocou um ataque de risos no cinema como há anos eu não tinha. Taí uma pista que ajuda a entender por que o filme da diretora alemã Maren Ade é tão bom: porque ele desafia rótulos e subverte as expectativas de uma forma extremamente natural e original.
Entre os vários filmes dentro do filme, o que sobressai é o que contrapõe o gap geracional entre o professor de música Winfried, um sessentão que gosta de pregar pequenas peças, e sua filha Ines, uma jovem advogada que trabalha para uma firma de consultoria. A rotina e o estilo de vida workaholic dela não permite que os dois se vejam muito. Até o dia em que Winfried decide visitá-la em Bucareste, na Romênia, onde Inês vive há um ano, encarregada dos planos de redução de custos operacionais de uma empresa petrolífera.
Winfried assume a persona de Toni, utilizando uma ridícula peruca preta e dentes postiços, que compõem um visual que pode ser considerado um tanto exótico, dentro da rigidez do mundo corporativo, para alguém que se apresenta como um “coach”. Mas parece bastar ser homem, por mais absurdo que seja seu comportamento, para ser aceito num universo em que Ines tem mais utilidade para seu cliente levando a esposa dele para fazer compras num shopping do que oferecendo soluções para o projeto de redução de custos.
As situações desconcertantes e embaraçosas em que o pai coloca a filha são a sua maneira de “treiná-la” para a vida, numa analogia com as infames dinâmicas de grupo a que os funcionários são submetidos quando são contratados por uma empresa. Winfried/Toni quer fazê-la perceber que a vida não se resume a uma rotina robotizada em busca do sucesso profissional, quer fazê-la enxergar que os empregados que ela terá que demitir são os trabalhadores romenos que parecem tão invisíveis para ela quanto para as multinacionais capitalistas que “colonizaram” os países pobres da Europa.
Não há, dentro da narrativa, um único pingo de sentimentalismo. Cenas desde já antológicas, como aquela em que Ines canta o sucesso “The Greatest Love Of All”, de Whitney Houston, acompanhada pelo pai, ressignificando a letra da música, têm sua força justamente na mise-en-scène cuidadosamente construída pela diretora. A todo momento no filme o que vemos é uma profusão de sentimentos embaralhados por uma secura melancólica, mesmo nos momentos mais dramáticos. O desempenho extraordinário dos atores Peter Somonischek e Sandra Hüller contribui muito para o bom resultado.
“Você é humana?” “Você é feliz?”, são perguntas que Winfried faz para a filha em diferentes momentos, e para as quais ela não tem uma resposta concreta. Ao mesmo tempo, Winfried também quer enxergar qual o seu lugar no mundo de hoje. O filme assume, à sua maneira peculiar, uma dimensão filosófica que encontra seu coroamento na cena final entre os dois. “Toni Erdmann”, no fim das contas, é um filme sobre vestir e despir-se de fantasias, um processo que pode ser divertido e doloroso ao mesmo tempo, e ter achado a equivalência cinematográfica disso é o que o torna tão brilhante.