No momento em que cria coragem para pedir sua namorada em casamento, o dublê de cinema fracassado Caco (Felipe Rocha) flagra a moça traindo-o com o patrão, um renomado chef de cozinha argentino. No intuito de ajudá-lo a superar a tristeza, seu colega Vadão (Daniel Furlan) o leva até a Argentina a bordo de um velho Opala amarelo para se vingarem dessa humilhação suprema que é ver um brasileiro sendo corneado por um argentino (e que ainda por cima usa mullets!).
“La vingança”, coprodução Brasil/Argentina dirigida pelo estreante Fernando Fraiha a partir de uma ideia do codiretor Jiddu Pinheiro, concentra seu humor, portanto, na eterna e folclórica rivalidade com o país hermano. Ao longo do filme, são muitas as piadas falando de Maradona X Pelé e debochando das diferenças linguísticas e culturais. Um tema não muito original, que tinha tudo pra dar errado, mas dá certo por vários motivos.
Ele oferece frescor dentro do atual panorama de comédias nacionais. “La Vingança” não é repetição, na tela grande, de programas humorísticos de sucesso na TV ou na internet. Tampouco é veículo pensado unicamente para a explorar a popularidade de algum astro da comédia. E, por mais que tenha os indefectíveis clichês românticos que parecem imposição do mercado para filmes que almejam sucesso, eles são poucos e não chegam a atrapalhar o bom ritmo da narrativa.
Não há muita originalidade no estereótipo da dupla de amigos formada por um “loser” sensível e seu amigo amalucado, que se comporta como um eterno adolescente machista. Mas Felipe Rocha e Daniel Furlan se complementam à perfeição. A melancolia do primeiro, que usa muito bem os olhares e silêncios, contrasta com a metralhadora giratória verbal do segundo. “La Vingança” consegue arrancar gargalhadas com piadas de corno e Viagra sobretudo porque, ao contrário de muitas comédias escrachadas que seguem uma fórmula de sucesso, não menospreza a inteligência e o bom gosto do espectador tratando-o como idiota.
Tecnicamente, o filme também faz bom uso da linguagem cinematográfica. A excelente trilha sonora original de Plinio Profeta se vale do tema da vingança para fazer referencia às trilhas de faroeste de Ennio Morricone. A edição de Danilo Lemos não fica refém de cacoetes moderninhos, e a fotografia de Gustavo Habda e Felipe Reinheimer explora bem as paisagens argentinas.
(publicado originalmente em O Globo de 16.03.2017)