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CADA ERA COM SEU CONTO MORAL

17.02.2006
Por Carlos Alberto Mattos
CADA ERA COM SEU CONTO MORAL

Quase dois séculos separam as ações de Orgulho e Preconceito e Ponto Final - Match Point. O paralelo entre os dois filmes sugere que, da era georgiana aos anos Blair, não só os figurinos mudaram de Regency para Ralph Lauren, como também o caráter dos ingleses em questões como casamento e diferenças de classe sofreu alteração radical.



Questões de ética pessoal como a da pobre Elizabeth Bennett, que prefere calar a paixão enquanto duvida do caráter do ricaço Mr. Darcy, simplesmente não estão em pauta na Londres de 2005. Chris, o treinador de tênis que vem da Irlanda no filme de Woody Allen, a princípio não parece um alpinista social. Mas, à medida que seu casamento de conveniência se vê ameaçado pela paixão por uma candidata a atriz, ele vai fazer uma inesperada opção mefistofélica.



Por outro lado, o convívio da classe alta com os menos afortunados pelo destino não parece ter melhorado muito desde os tempos de Jane Austen. A jovem atriz de origem (americana) e passado pouco recomendáveis é rejeitada pela família de magnatas. E a aceitação de Chris é abertamente condicionada à sua cooptação profissional nas empresas do sogro.



Em ambos os filmes, casamento equivale a negócios. Com uma diferença fundamental. O que se discute em Orgulho e Preconceito, como já adianta o título, é a moral. Em Match Point, é a sorte. Nada mais amoral que o acaso, nada mais em voga que a sorte na era do cinismo vitorioso. Woody Allen ilustra isso mediante o conto moral de um crime sem castigo. Um nó em Dostoiewski e uma piscada para Thackeray, de quem há pouco vimos uma sofrível adaptação de A Feira das Vaidades pela indiana Mira Nair.



O romance de Jane Austen, já adaptado diversas vezes para cinema e televisão, tem no filme de Joe Wright talvez a sua melhor transposição audiovisual (não confundir com o recente Noiva e Preconceito, releitura de Gurinder Chadha no estilo Bollywood). Orgulho e Preconceito é um filme inebriante, que explode de vitalidade na tela. A direção é primorosa tanto com o elenco, como na condução da narrativa através de tomadas elaboradíssimas, que costuram os vários subplots em torno da espinha dorsal de Elizabeth e Darcy. Da fotografia e da direção de arte à trilha sonora, é um triunfo da proverbial maestria britânica no tratamento do romance de época. Mas nada disso levaria a tão radiante resultado se a adaptação de Deborah Moggach (revisada por Emma Thompson) não sublinhasse com tanto acerto os aspectos de comédia do original.



Austen no cinema tem sido pretexto para belas roupas e paisagens, diálogos rebuscados e uma concepção pesada de literatura. Este Orgulho e Preconceito borrou as roupas de lama, dotou as paisagens de sentimentos e matizou os diálogos com um humor irresistível, tornando tudo mais leve e, em certa medida, mais realista.



Já em Match Point, primeiro opus britânico de Woody Allen, o humor é colocado para escanteio. As duas exceções são um diálogo na galeria Tate Modern, que lembra o non-sense nova-iorquino dos velhos tempos, e as intervenções de uma dupla de detetives, que vão por conta da “ambientação” londrina de uma história originalmente concebida nos EUA. Críticos ingleses detestaram o sotaque de Allen e sua visão “turística” da capital.



Para seus fãs, Allen trouxe uma surpresa nesse misto de drama e policial embebido em árias de ópera, algo bem distante do seu habitual. Superior, sem dúvida, a algumas comédias das últimas safras, mas ainda assim um filme destituído de maior personalidade.



Curiosamente, quem quiser rir esta semana deverá optar não por Woody Allen, mas por Jane Austen. E quem quiser ver atrizes no pleno exercício de seus dotes de sedução, não poderá perder nem Keira Knightley no papel da briosa Elizabeth Bennett, nem Scarlett Johansson como a voluptuosa Nola Rice.





# ORGULHO E PRECONCEITO (PRIDE & PREJUDICE)

Inglaterra/França, 2005

Direção: JOE WRIGHT

Roteiro: DEBORAH MOGGACH, baseado no romance de JANE AUSTEN

Fotografia: ROMAN OSIN

Desenho de produção: SARAH GREENWOOD

Figurinos: JACQUELINE DURRAN

Montagem: PAUL TOTHILL

Música: DARIO MARIANELLI

Elenco: KEIRA KNIGHTLEY, MATTHEW MACFADYEN, ROSAMUND PIKE, BRENDA BLETHYN, DONALD SUTHERLAND, SIMON WOODS, TOM HOLLAND

Duração: 127 minutos

Site oficial: clique aqui





# PONTO FINAL – MATCH POINT (MATCH POINT)

Inglaterra/EUA/Luxemburgo, 2005

Direção e roteiro: WOODY ALLEN

Fotografia: REMI ADEFARASIN

Montagem: ALISA LEPSELTER

Elenco: JONATHAN RHYS MEYERS, SCARLETT JOHANSSON, EMILY MORTIMER, MATTHEW GOODE, BRIAN COX, PENELOPE WILTON

Duração: 124 minutos

Site oficial: clique aqui

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