Críticas


BOA NOITE E BOA SORTE

De: GEORGE CLOONEY
Com: DAVID STRATHAIRN, ROBERT DOWNEY JR., PATRICIA CLARKSON, RAY WISE
22.02.2006
Por Nelson Hoineff
SOBRE TELEVISÃO E DECÊNCIA

Quase no final de Boa Noite e Boa Sorte, o combativo apresentador de TV Edward Murrow refere-se ao lixo da televisão, mencionando entre outros Ed Sullivan e Steve Allen. Ninguém está livre de dizer bobagens, nem mesmo um filme admirável como este. Sullivan foi, no mínimo, um dos principais responsáveis pela penetração dos Beatles nos EUA. E Steve Allen representa, para a história da televisão, um nome muito mais importante que o próprio Murrow. (O texto é tirado quase literalmente do discurso de Murrow na convenção da RTNDA em 1958. Há a citação de Stonewall Jackson ao uso de armas e à batalha em curso contra a ‘ignorância, intolerância e indiferença’ mas não aos nomes citados no filme).



Mas o relato que George Clooney desenha sobre um dos mais influentes jornalistas da TV americana dos anos 50 é repleto de excepcionalidades, a começar pelo que ele parece indicar na construção da obra de um cineasta recente. Este é o segundo longa-metragem dirigido por Clooney. O primeiro, Confissões de uma Mente Perigosa, traçava o perfil de um outro astro da TV americana, Chuck Barris, que comandou programas inquietantemente trash-transgressores como o genial The Gong Show, e teria sido também, segundo a sua própria auto-biografia que alimentou o roteiro de Charlie Kaufman, um frio assassino a serviço da CIA.



Em seus dois filmes, Clooney fala sobre personagens polêmicos da televisão norte-americana, cujos auges se deram com 20 anos de diferença. Nos dois casos, o diretor mergulha nos mecanismos e no espírito da televisão que se fazia a cada momento e estimula a confusão entre o referencial e a referência. Há razões para isso: seu pai, Nick Clooney, era ele mesmo um âncora da ABC em Cincinnatti na época em que George nasceu - e que coincide com o apogeu de Murrow.



O grande debate entre Ed Murrow e Joseph McCarthy, por exemplo, se dá entre a ação encenada de Strathairn e as imagens reais do senador. Nas sessões que antecederam ao lançamento, Clooney recebeu críticas ao que alguns espectadores desavisados consideravam uma representação over do político anti-comunista. É um recurso admirável, assim como a decisão de favorecer a recriação da época – em particular da televisão da época – filmando em preto e branco (na verdade, Clooney filmou em película colorida, transformando eletronicamente a escala de cores).



Murrow é notavelmente recriado por David Strathairn, que não se parece fisicamente com o jornalista, mas dele extrai o “stoneface”, face de pedra, uma de suas mais fortes características. Clooney foca nele – e no pequeno grupo de profissionais que o acompanhavam – a batalha para desmascarar o mcarthismo. A batalha aconteceu já no ocaso da paranóia anti-comunista. São particularmente notáveis as imagens da famosa audiência em que Joseph Welch vocifera repetidamente ao senador: “O senhor não tem decência?”



Boa Noite e Boa Sorte não se esmera em procurar a decência perdida de McCarthy mas se aprofunda nos bastidores da CBS, cujo legendário chefe William Paley (Frank Langella) bancava a ousadia de seu repórter principal. Clooney detém-se nos conflitos de Paley entre a integridade de seu jornalista e a segurança da emissora numa época de forte intimidação. O filme fala sobre televisão e integridade, termos que, por mais surpreendente que possa parecer, não nasceram mutuamente excludentes.



# BOA NOITE E BOA SORTE (GOOD NIGHT, GOOD LUCK

EUA, 2005

Direção: GEORGE CLOONEY

Roteiro: GEORGE CLOONEY E GRANT HESLOV

Elenco: DAVID STRATHAIRN, ROBERT DOWNEY JR., PATRICIA CLARKSON, RAY WISE

Duração: 93 min.

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário