Melhor filme dentre os que conhecemos da dupla de diretores Gastón Duprat e Mariano Cohn (que já assinaram o interessante O Homem ao Lado e o nem tanto Querida vou comprar cigarros e já volto), este El Ciudadano Ilustre (título original) deu ao ator Oscar Martínez o prêmio de melhor ator em Veneza 2016. Sua interpretação é de fato excelente e equilibra bem o que poderia resultar em um tom excessivamente farsesco na caracterização (por vezes caricatural mesmo) do provincianismo de uma pequena cidade no interior da Argentina. O equilíbrio advém do fato de que o personagem do escritor premiado com o Nobel (e que retorna à cidadezinha natal de onde esteve afastado por 40 anos), por trás de sua verve brilhante e posições bem definidas sobre premiações, fama, “pureza” da arte etc etc, não deixa de ser incoerente ao participar dos eventos interioranos e – principalmente - ser arrogante na sua sede de dizer a verdade a qualquer preço. O que, sem dúvida, deve satisfazer seu narcisismo quase compulsivo no sentido de se ater à autoimagem idealizada de “grande artista independente em suas opiniões”. Martínez dá a dose de ambiguidade exata ao tipo que interpreta: simpatizamos com ele em detrimento da cafonice e primarismo dos provincianos, mas ele não deixa de incorrer na desmesura em seus deboches, ironias e atitudes de superioridade cultural e intelectual.
O enredo não deixa de lembrar alguns contos de Friedrich Dürrenmatt nos quais personagens, pegos em situações insólitas, deixam-se levar por atitudes rígidas, independentemente do clima kafkiano que vai se instalando – embora no filme de Duprat e Cohn o tom se mantenha mais naturalista, o que não deixa de ser elogiável na medida em que foge de situações “absurdas” fáceis de introduzir em qualquer história com algum clima de uma certa “estranheza” por si só.
O epílogo, entretanto, soa algo gratuito no sentido de tentar dar outra ênfase temática diferente do que o que vinha sendo privilegiado durante todo o filme, discutindo a impossibilidade de se detectar que verdades e que falseamentos existem nas criações ficcionais (o que já havia sido abordado antes de modo mais espontâneo). Talvez neste momento os diretores ou/e o roteirista André Duprat tenham incorrido na mesma desmesura do personagem proselitista?
Mesmo assim, as qualidades do filme, bastante divertido, sobrepujam com corpos de vantagem alguma questão que se possa levantar. Também cabe, nos pontos positivos, destacar ouros atores: Dady Brieva como o amigo de juventude está impagável na cena do bar, assim como estão ótimos os que fazem o prefeito e também o motorista que apanha o escritor no aeroporto para levá-lo à cidade interiorana, um figuraça.