Críticas


CAPOTE

De: BENNETT MILLER
Com: PHILIP SEYMOUR HOFFMAN, CATHERINE KEENER, CLIFTON COLLINS JR.
25.02.2006
Por Carlos Alberto Mattos
CAPOTE BEM DE PERTO

A certa altura de Capote, Harper Lee pergunta ao amigo Truman Capote se ele está realmente apaixonado pelo assassino Perry Smith. A resposta do escritor é congelante: “Ele é uma mina de ouro...”



Aqui existe algo mais que o estilo notoriamente frio e irônico de Capote. A frase é a confissão de um crime jornalístico. O Capote interpretado por Philip Seymour Hoffman é um homem dilacerado pelas contradições do seu ofício. De um lado, a empatia, a compaixão e a identificação que o ligam ao criminoso, da primeira à última troca de olhares (se bem que, na verdade, Capote não teve coragem de presenciar o enforcamento de Smith). De outro, a ambição autoral que o faz atropelar a ética e torcer pela condenação de suas personagens.



Nesse caminho, Capote infringe diversas regras da criação artística com criaturas reais: mente, omite, manipula, descumpre promessas. Em uma palavra, explora, no sentido mais capcioso do termo. É bem verdade que se vivia, no início dos anos 1960, uma idade mais crua do trabalho jornalístico. A responsabilidade ética ainda não havia se sobreposto à noção de tirar proveito. Hoje seria inconcebível que um escritor ou documentarista utilizasse os mesmos expedientes de Capote ao produzir seu best-seller A Sangue Frio. De alguma maneira, assim como Boa Noite e Boa Sorte, de George Clooney, temos aí mais um filme de época sobre a imprensa americana.



É interessante remontar a história do assassinato da família Clutter a partir deste Capote e do clássico A Sangue Frio, de Richard Brooks (1967), infelizmente ausente do mercado de vídeo no Brasil. Em vários momentos, os filmes se tangenciam, se completam e se esclarecem mutuamente. O próprio Truman Capote é figurado, no último ato de A Sangue Frio, através de um certo jornalista da revista Weekly. O filme de Brooks, rodado nas locações reais, reconstrói as horas que antecederam o crime, numa montagem convergente dos Clutter e da dupla Perry-Dick a caminho de Holcomb. Após uma elipse, vemos o início das investigações, enquanto os assassinos fogem para o México e retornam aos EUA, cheios de confiança e imprudência. Presos, apresentam, então, o relato da noite do crime e caminham para o corredor da morte.



O mote de A Sangue Frio, o filme, é marcadamente psicanalítico. Insinua-se uma atração homossexual de Perry por Dick e surge a tese de que a química entre os dois formaria uma dupla mais violenta e bárbara do que cada um individualmente. Em Capote, making-of cinematográfico do livro, o foco de atração desliza para Truman-Perry. E surge a tese de que essa aproximação teria alterado todo o metabolismo criativo de Truman. Diante do seu alter ego do mundo das sombras, Capote teria assumido, também ele, um comportamento obsessivo, maníaco mesmo. O livro seria o seu crime perfeito, que jamais conseguiria repetir.



Essa leitura pode soar um tanto excessiva para um filme que se comporta com certa frieza diante do seu objeto. A maior limitação de Capote é um roteiro lacônico, que abandona Harper Lee no meio do caminho e não consegue objetivar muitas sugestões do argumento.Como estudo de personagem, beneficia-se enormemente do talento do ator, ainda que seus gestos e expressões fiquem repetitivos com o passar do tempo. Mesmo assim, é Philip Seymour Hoffman que nos faz ver Truman Capote bem de perto e nos deixa perplexos com suas ambigüidades.





# CAPOTE

EUA, 2005

Direção:
BENNETT MILLER

Roteiro: DAN FUTTERMAN, baseado no livro de GERALD CLARKE

Fotografia: ADAM KIMMEL

Montagem: CHRISTOPHER TELLEFSEN

Música: MYCHAEL DANNA

Desenho de produção: JESS GONCHOR

Elenco: PHILIP SEYMOUR HOFFMAN, CATHERINE KEENER, CLIFTON COLLINS JR., CHRIS COOPER, MARK PELLEGRINO

Duração: 98 minutos

Site oficial: clique aqui

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