Críticas


HERÓI DO NOSSO TEMPO, UM

De: RADU MIHAILEANU
Com: YAËL ABECASSIS, ROSCHDY ZEM, MOSHE AGAZAI
10.03.2006
Por Carlos Alberto Mattos
FILHO CORAGEM

O tema da sobrevivência à custa de uma troca de identidade é freqüente na obra e na vida do diretor romeno Radu Mihaileanu. Seu pai, o jornalista judeu e comunista Mordechaï Buchman, passou por um campo de trabalho nazista e, conseguindo fugir, adotou o nome de Ion Mihaileanu. O próprio Radu escapou da Romênia totalitária para Israel em 1980 e depois se radicou na França. Seu primeiro longa-metragem, Trahir (1993), contava a história de um poeta romeno que era preso por denunciar os crimes stalinistas e, para não morrer, virava colaborador do regime. Em seguida, ele fez o admirável Trem da Vida (1998), em que um judeu se passa por oficial nazista para salvar a população de uma pequena aldeia.



Um Herói do Nosso Tempo, título brasileiro pomposo para Va, Vis et Deviens (Vá, viva e se transforme) trata de outro grande drama político do século passado: a transferência de judeus etíopes de um acampamento de refugiados no Sudão para Israel em 1984, na intricada Operação Moisés. Mihaileanu aborda o assunto de maneira frontalmente melodramática: uma mãe etíope miserável envia o filho ao exílio para que este sobreviva. Assim é que o garoto cristão vira Schlomo (Salomão), engana as autoridades israelenses, é adotado por uma família agnóstica de esquerda e passa a viver uma luta interior entre o apelo das origens e as conveniências da classe média de Tel Aviv.



A difícil integração de Schlomo rende bons momentos, como o primeiro banho de chuveiro, a recepção “etíope” na casa dos pais adotivos e a gafe bíblica durante a aula talmúdica. Mas a estrutura do roteiro, bastante novelesca, cria uma freqüente impressão de artificialidade, em contraste com o fundo social e político bem delineado. O comportamento do menino-adolescente-rapaz é pontuado por inverossimilhanças, como a vitória no debate sobre a cor de Adão (típico clichê do excluído mais brilhante do que o incluído) e a fábula do macaco, que Schlomo conta para a mãe adotiva com a solenidade de um velho rabino.



O tom solene, aliás, é um estorvo para a aceitação do filme desde suas cenas iniciais. A rigor, desde o trailer. Ali onde caberiam discrição e enfoque documental, temos música pomposa, planos gerais retóricos e sentimentalismo. Depois de um ato central mais equilibrado, o filme se alonga numa sucessão de elipses mal ajambradas, que pretendem cobrir a evolução do jovem Schlomo, seu casamento e a volta à terra natal. Para quem ainda não viu o filme, não há problemas em antecipar esse final, pois ele é virtualmente anunciado desde a abertura.



Os desequilíbrios de roteiro (inacreditavelmente premiado com um César) e o tratamento “para grande público” esvaziam a qualidade política do projeto sem fornecer muito em troca. Parece até que Radu Mihaileanu está querendo se transformar num novo Régis Wargnier, o papa do cinemão comercial francês. Será para sobreviver?





# UM HERÓI DO NOSSO TEMPO (VA, VIS ET DEVIENS)

França/Bélgica/Israel/Itália, 2005

Direção: RADU MIHAILEANU

Roteiro: ALAIN-MICHEL BLANC, RADU MIHAILEANU

Fotografia: RÉMY CHEVRIN

Montagem: LUDO TROCH

Música: ARMAND AMAR

Elenco: YAËL ABECASSIS, ROSCHDY ZEM, MOSHE AGAZAI, MOSHE ABEBE, SIRAK M. SABAHAT, RONI HADAR

Duração: 140 minutos

Site oficial: clique aqui

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário