“Amor é privilégio de maduros”
Carlos Drummond de Andrade
Alguma coisa da poesia de Drummond perpassa o ambiente de Depois Daquele Baile. Coisas do menino antigo, prosaico e “macio-amesendado” que ele foi um dia. Coisas anteriores ao poeta amargo que cantou seu amor às avessas pela capital mineira no poema Triste Horizonte. A BH habitada pelas personagens de Roberto Bomtempo não deixa de ser corrompida por sinais de medo e violência, mas ainda guarda a doçura de noites serenas e piqueniques possíveis.
Numa casa de bairro sossegado, a bela e madura Dóris (Irene Ravache) serve pensão a viúvos e solitários. Dois deles disputam suas atenções com armas diferentes. O extrovertido Freitas (Lima Duarte) é adepto de um hedonismo à mineira – leia-se costelinha, danças gingadas e apego exclusivo ao presente. O retraído Otávio (Marcos Caruso) cultua o passado, a medicina e o comedimento. Rivais e ao mesmo tempo confidentes, esses garotos velhos compõem uma deliciosa variação da comédia de duplas. Grande parte do material da peça de Rogério Falabella parece explorar a dicotomia dionisíaco-apolíneo. Nela também o elenco se apóia para construir um trio cativante, que rapidamente conquista o espectador.
Depois Daquele Baile é um caso exemplar na busca de um cinema popular brasileiro. Produzido a partir do edital do Minc para filmes de baixo orçamento, investe na simplicidade para conseguir quase tudo o que pretende. Com razão, alguém já o comparou a um tipo de filme argentino representado por Alejandro Agresti (Valentín) e Carlos Sorín (Histórias Mínimas, Cachorro). Um filme simples sobre gente simples, mas que sabe extrair da riqueza do cotidiano e da linguagem um encanto particular.
A peça original, restrita ao triângulo amoroso, foi desenvolvida pela roteirista Susana Schild através da criação de novas personagens e de um passado para os protagonistas. Afinal, como já sugere o título, é de um tempo remoto que provêm as motivações em jogo no tempo atual. Os diálogos recuperam com graça a predileção da terceira idade pelos “pensamentos” sobre a vida, as frases prontas, as metáforas vetustas. O romance escrito em cadernos, que Freitas gosta de ler em voz alta, faz a paráfrase desse elogio aos gestos e atitudes singelos. Esse é um dos poucos traços de ironia que o roteiro se permite inocular, já que o tom dominante é de afetuoso respeito pela vida ordinária.
Não é um filme isento de problemas. Há incongruências temporais e espaciais (as “aulas” de dança, a localização do parque de diversões em relação à montanha), assim como deficiências dramatúrgicas (a volta do marido de Dona Judith, esta interpretada pela mãe do diretor). A fotografia não tem maior inspiração e a decupagem das cenas deixou problemas visíveis para a montagem, que Marília Alvim contornou como foi possível. O mérito maior de Roberto Bomtempo, em sua primeira experiência por trás das câmeras, foi o de encontrar o diapasão adequado e nele sintonizar os atores. O resto, eles fazem com exuberante fluência. Lima Duarte se apodera de Freitas, como sempre faz quando se apaixona pela personagem, e o alimenta de condimentadas sutilezas. Irene Ravache modula com perfeição o sotaque mineiro e rende maravilhas como suave coquete. Marcos Caruso demonstra profunda compreensão de Otávio e tem provavelmente o seu melhor desempenho em cinema até aqui.
Tal como foi escrito, o filme não pode ser considerado exatamente um conto moral. Mesmo assim, o destino final de um dos amorosos contendores soa como “punição” exagerada e solução fácil para o desfecho da trama. Que não se veja aqui a desprezível opção crítica de “reescrever” uma obra. Mas bem que o filme merecia um desenlace mais condizente com a sua amabilidade transbordante.
# DEPOIS DAQUELE BAILE
Brasil, 2006
Direção: ROBERTO BOMTEMPO
Roteiro: SUSANA SCHILD, baseado na peça homônima de Rogério Falabella
Produção executiva: ROBERTO BOMTEMPO, GUILHERME FIÚZA E AGNES LEAL´T
Fotografia NONATO ESTRELA, ABC
Montagem: MARÍLIA ALVIM
Direção de arte: ADRIANE LEMOS
Som direto: ALAERSON NONÔ COELHO
Elenco: LIMA DUARTE, IRENE RAVACHE, MARCOS CARUSO, INGRID GUIMARÃES, REGINA SAMPAIO, CHICO PELÚCIO, FERRUCCIO VERDULIN
Duração: 108 minutos
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