A ação de NEVE NEGRA é ambientada em uma região montanhosa coberta de neve na Patagônia, onde vive o eremita Salvador (Ricardo Darín), que lá ficou desde que uma tragédia marcou sua família: a morte, por tiro de espingarda durante uma caçada, do caçula de quatro irmãos, que eram criados por um pai austero e violento. Com a notícia do recente falecimento do patriarca, os irmãos sobreviventes precisam decidir se aceitam a proposta de US$ 9 milhões de uma mineradora canadense pelo terreno da família. Como Sabrina (Dolores Fonzi) está internada em um hospital psiquiátrico, cabe a Marcos (Leonardo Sbaraglia) tentar convencer Salvador a abrir mão da casa onde se isolou há 30 anos — e do quintal onde o pequeno foi sepultado.
O reencontro é tenso e reaviva lembranças em Marcos, através de flashbacks que aos poucos vão criando suspense em torno do que teria acontecido no dia em que o caçula levou o tiro fatal. Ambos escondem a verdade do espectador, que nada sabe, assim como a personagem intrusa naquela realidade, Laura (a revelação espanhola Laia Costa, de “Victoria”), a jovem esposa grávida de Marcos.
Uma tomada aérea da estrada sinuosa que leva ao topo da montanha, acompanhada de música sombria, faz lembrar “O iluminado”. A semelhança com o filme de Stanley Kubrick se restringe à atmosfera gélida e à sensação de isolamento. A produção é caprichada, e a fotografia de Arnau Valls Colomer explora bem o ambiente inóspito que tem na figura hostil de Salvador sua mais perfeita tradução. O mistério em torno do personagem é o artifício encontrado pelo roteiro (coescrito pelo diretor Martin Hodara e Leonel D’ Agostino) para prolongar o suspense, mas a estratégia deixa de se sustentar a partir do momento em que o espectador mais atento logo percebe um dos dois “segredos” que o filme tenta guardar. O outro é revelado num lance do acaso, extremamente forçado, e acaba expondo fraquezas e contrassensos da trama.
Não é qualquer filme que consegue reunir esse dream team do cinema argentino (os protagonistas Darín e Sbaraglia, mais Dolores Fonzi e Federico Luppi em papéis pequenos). Um roteiro mais caprichado, no entanto, evitaria a sensação de frustração ao fim de seus 90 minutos.
Publicado originalmente no Globo de 08.06.17