Uma parcela importante da história do cinema brasileiro ainda está por contar. Todas as melhores iniciativas nesse sentido se prenderam à evolução dos filmes de ficção, restando aos documentários não mais que alguns parágrafos “complementares”, notas de pé de página etc. Parte dessa dívida começou a ser saldada recentemente por livros como Documentário no Brasil – Tradição e Transformação, organizado por Francisco Elinaldo Teixeira, e alguns volumes dedicados a realizadores ou movimentos em particular. No entanto, o mais completo levantamento historiográfico, ainda que panorâmico e forçosamente superficial, continuam sendo os verbetes “Documentário Mudo” e “Documentário Sonoro”, de Fernão Ramos, na Enciclopédia do Cinema Brasileiro.
Por tudo isso, é de se louvar o aparecimento de Introdução ao Documentário Brasileiro, de Amir Labaki, pela editora Francis. Embora não se apresente como tal, o livro é uma pequena história dessa modalidade de cinema no Brasil, estruturada a partir de seus nomes e momentos definidores. Originado de um curso do autor no Instituto Moreira Salles, em São Paulo, o texto tem caráter didático, cronológico e apenas levemente opinativo.
Labaki criou e dirige o Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, que nutriu e ao mesmo tempo se nutriu do grande momento vivido pelos documentários brasileiros desde a retomada. As retrospectivas nacionais já programadas pelo festival constituem, em si, uma bela introdução ao nosso moderno cinema de não-ficção: Geraldo Sarno, Eduardo Escorel, Walter Salles, Globo Repórter e Globo Shell Especial, Jorge Bodanzky.
A intimidade do autor com o seu objeto transparece na fluência com que ele articula as diversas linhas e células criativas, dos pioneiros da era muda até as conjunções com a videoarte e o experimentalismo contemporâneo. Quando qualifica o parentesco entre Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho, e Chico Antônio – Herói com Caráter, de Eduardo Escorel, por exemplo, Labaki dá provas de ser um analista atento, que não se contenta em enumerar e acumular informações. Em outras passagens, ele arrisca aproximações mais ousadas, como afiliar os perfis de artistas realizados por Carlos Adriano ao réquiem pós-tropicalista Di-Glauber. É onde a coragem do crítico se sobrepõe à cautela do professor-historiador.
Mesmo em ritmo de travelling veloz, pouco de importante escapa ao radar de Amir Labaki. Uma rara lacuna é o trabalho do libanês Benjamim Abraão no Nordeste dos anos 30, fundamental para a constituição da estética do cangaço no cinema. Percebe-se também uma certa confusão de conceitos entre cinema direto e cinema-verdade – o que, aliás, atinge boa parte da historigrafia mundial dos documentários e não facilita o pleno entendimento das grandes transformações ocorridas nos anos 1960 e seus reflexos posteriores.
No mais, essa Introdução é um serviço inestimável ao estudo do cinema brasileiro. Após a leitura, inevitável será o desejo de ir ou voltar aos filmes. Pensando nisso, Labaki complementou o trabalho com uma lista fundamental de 50 títulos comentados, todos disponíveis no mercado de VHS ou DVD.
Nessa nova ocupação do audiovisual brasileiro pela realidade, os documentários assumiram enorme importância e mesmo prestígio cultural. Rever sua evolução, num livro como esse, é compreender ainda melhor o que hoje se dá.
# INTRODUÇÃO AO DOCUMENTÁRIO BRASILEIRO
Editora Francis
São Paulo, 2006
R$ 16,50