Críticas


UM DIA DE CHUVA EM NOVA YORK

De: WOODY ALLEN
Com: TIMOTHÉE CHALAMET, ELLE FANNING, SELENA GOMEZ
20.11.2019
Por Maria Caú
Um Woody Allen requentado para aqueles com crise de abstinência.

Em 2018, Woody Allen não lançou um novo longa-metragem, o que não acontecia desde 1981. Um dia de chuva em Nova York já estava pronto, à espera da resolução de um grande imbróglio, que envolveu a quebra do contrato do diretor com a Amazon, que asseguraria a distribuição. Isso se deu no contexto do movimento conhecido como #metoo, após uma única acusação dos anos 1990 ter ressurgido na mídia contra o cineasta. Allen virou o símbolo da chamada “cultura do cancelamento”, quando o público pressiona pessoas e instituições a não comprarem ou consumirem obras de indivíduos considerados moral ou criminalmente reprováveis. O boicote a certos artistas, compreensível enquanto escolha individual, vem se tornando uma prática orquestrada coletivamente de forma muitas vezes irrefletida, ampliada pela velocidade de exercício de julgamento própria das redes sociais. Esse comportamento atingiu o paroxismo nos últimos meses, e Allen viu atores que trabalharam com ele serem questionados sobre suas escolhas. Muitos se disseram arrependidos ou doaram seus cachês para organizações de apoio ao movimento. Em meio a essa polêmica, aqueles acostumados a aguardar ansiosamente ano após ano por um novo filme do cineasta entraram em um longo período de abstinência. Infelizmente, tal abstinência não seria quebrada apropriadamente.



Talvez a espera tenha contribuído negativamente para a apreciação, mas a impressão é de que estamos diante do filme mais fraco do brilhantíssimo diretor desde Para Roma, com amor (2012). Se o recente é um pouco mais original ao menos no título, parece um Woody Allen feito por um imitador, requentado, um Woody Allen versão fast food. É bem verdade que desde Magia ao luar (2014) o realizador vem retrabalhando antigos temas e obsessões, com variados graus de sucesso, chegando a um formato redondo e interessantemente literário em Café Society (2016). Com Um dia de chuva em Nova York, no entanto, ele ultrapassa os limites do derivativo.

A trama segue o casal de jovens namorados Gatsby Welles (Timothée Chalamet) e Ashleigh Enright (Elle Fanning) em um fim de semana em Manhattan. Ambos são estudantes de uma universidade um pouco isolada no estado: ela precisa ir à Nova York fazer uma entrevista com um cineasta famoso, ele teme rever os pais ricos e decide se esconder deles enquanto tenta apresentar sua cidade natal à moça. Chegando lá, eles se desencontram e se envolvem em desventuras paralelas. Enquanto Ashleigh ganha a atenção de Roland Pollard (Liev Schreiber), que lhe confessa sua crise criativa, Gatsby reencontra Shannon (Selena Gomez), irmã mais nova de uma ex-namorada.

Essa trama é o fio condutor de um roteiro preguiçoso, ancorado na narração de Chalamet, que nunca chega a funcionar. Além disso, a desconexão de Allen com a juventude que ele apresenta parece bastante grande: é difícil acreditar naqueles jovens e em seus hábitos, anseios e escolhas (a cena em que Gatsby fuma com uma piteira parece especialmente deslocada no tempo). Os muitos planos próximos, que por um lado permitem que Vittorio Storaro revele toda a beleza da sua luz, não têm a fluidez dos planos-sequência de outrora, que mapeavam a cidade e os personagens em seu contínuo movimento.

Outro problema é a escolha do elenco. Allen sempre foi considerado um cineasta capaz de escalar o ator perfeito para um dado papel, talento que lhe é imputado, mas que se deve em grande parte à sua histórica parceria com a genial Juliet Taylor, sua diretora de casting por mais de quatro décadas, o que nos serve como um lembrete para sempre problematizarmos a ideia da autoria única no cinema. Taylor se aposentou em 2016 e aqui sua ausência é duramente sentida: se Chamalet não parece confortável, Gomez está ainda mais engessada. Apesar de seu papel claramente datado, como a menina ingênua e deslumbrada que se enamora da cidade grande e de seus homens poderosos, Fanning toma para si os melhores momentos do longa, ao lado de Jude Law, que interpreta um roteirista. Como a mãe de Gatsby, Cherry Jones tem uma grande cena com um enorme solilóquio, que ela domina lindamente. O conjunto das atuações, no entanto, é tão pouco inspirado quanto o roteiro.

Dizem que mesmo um Woody Allen fraco é melhor do que a grande maioria dos filmes lançados ao longo do ano. Não é de todo uma inverdade. E este certamente tem seus momentos sofisticados, como a passagem em que os personagens, envoltos em uma conversa sobre cinema, disfarçadamente discutem a estrutura do próprio filme, ou os trechos em que Allen brinca com a musicalidade de Gatsby ou sua genialidade para apostas. Frases inspiradas, como “A vida real é boa o suficiente para aqueles que não conseguem nada melhor” pululam aqui e ali, assim como algumas passagens genuinamente engraçadas. As múltiplas referências cruzadas, do nome do protagonista aos filmes de Roland Pollard, Winter Memories e Moon Glow (ambos refletindo títulos de Allen, mais especificamente Stardust Memories e Magic in the Moonlight), são pequenos agrados para um público em crise de abstinência. Mas certamente não são o suficiente para satisfazer àqueles que esperam por qualquer grama de frescor ou novidade. Todos vamos precisar de uma nova dose, mais potente, em breve. Aguardemos mais.

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