Críticas


JOJO RABBIT

De: TAIKA WAITITI
Com: ROMAN GRIFFIN DAVIS, THOMASIN McKENZIE, SCARLETT JOHANSSON, TAIKA WAITITI, SAM ROCKWELL, REBEL WILSON, ARCHIE YATES
05.02.2020
Por Luiz Fernando Gallego
Se aceitarmos o tom de farsa e fantasia infantis, o filme pode ser bem palatável e até mesmo gaiato.

Johannes Betzler é um garoto solitário de dez anos que nasceu e cresceu na Alemanha nazista. Perto do final da guerra, seu pai está lutando no front ou desaparecido. Sua mãe, embora amorosa, passa muito tempo longe de casa. Apesar de ter um (único) amigo da mesma idade, o tipo gordinho igualmente meio solitário, Johannes, como tantas crianças em situação parecida, cria um “amigo imaginário”. Extremamente bizarro para qualquer pessoa fora do podre caldo de cultura daquela época e lugar, o “amigo” de Johannes é Adolf. Hitler!

Apesar de se ver idealmente como um membro mais do que fiel da “Juventude Hitlerista”, o garoto não é muito hábil em atividades que lhe são cobradas por instrutores daquela instituição paramilitar, especialmente as que implicam em agressividade destrutiva (uso de armas, matar um coelho), e acaba estigmatizado com o apelido de Jojo Rabbit, alusivo à imagem assustada dos coelhos. Em outras palavras, ele é tido como "covarde". Mas o “Adolf” que ele imagina, atende às necessidades de consolo por suas tentativas frustradas de se adequar ao meio: é um 'Hitler' ainda mais bizarro do que o que conhecemos em seus patéticos discursos histriônicos: ele chega a contemporizar os traços tímidos da personalidade natural do menino (seu ‘self’ verdadeiro, segundo a psicanálise; já o “falso self” de Jojo é que é terrivelmente nazista, construído para atender às expectativas externas segundo as quais ele espera que seria aceito e elogiado por aquele meio... só que Jojo não parece nada talhado para tal ideário e suas condutas perversas.

O enredo, mesmo em tom de farsa, pode incomodar pessoas feridas direta ou indiretamente pelo que terá sido a Alemanha nazista, já que apresenta alguns personagens importantes de boas pessoas que, de uma forma ou de outra, protegem os judeus perseguidos; e não é que isso nunca tenha ocorrido, mas, de modo geral, a ideia (polêmica e até mesmo complacente que seja) da “culpa coletiva” parece ainda dominar o imaginário de muita gente que se percebe perplexa com o fato de uma das nações mais desenvolvidas culturalmente ter embarcado, praticamente em massa, no hitlerismo com suas dimensões tão nefastas. Se já num passado de décadas, Mel Brooks fez comédia com o que até então seria um tabu (Primavera para Hitler, 1967), alguns aspectos do enredo de Jojo Rabbit podem incomodar também o “politicamente correto”, visto que faz piada com um ideário nazi-fascista que absurdamente anda novamente em voga em tantos países - e de um modo que nos deixa ainda mais perplexos: como é possível, ainda, depois de uma indubitável lição histórica dos horrores que aconteceram?

Apesar de eventuais críticas que o roteiro possa despertar em seus aspectos morais, há também pontos interessantes e razoavelmente bem desenvolvidos: Jojo terá que descobrir que judeus não são uma “raça” à parte! E não são diferentes do restante dos seres humanos: não têm chifres, nem rabo, nem são demônios do mal. O mal estava em outro grupo de pessoas que ele até então idealiza. Mesmo assim, alguns detalhes do enredo parecem edulcorados: sabe-se que meninos de 11, 12 anos foram enviados para combater quando a guerra já estava perdida, mas o enredo precisa que o amigo de Jojo não tenha morrido ao final de tudo. Deixamos de lado outros pontos ambíguos do roteiro (referentes ao personagem do Capitão K, por exemplo)  para evitar spoilers.

Ainda assim, a revelação do menino Roman Griffin Davis como ator é digna de nota, mesmo que a fofura de seu personagem e o aprendizado pelo qual passa soem rápidos demais para quem exigir mais realismo do enredo. Já se aceitarmos o tom de sátira, farsa e fantasia infantis, o filme pode ser bem palatável e até mesmo gaiato.

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