Críticas


A VOZ HUMANA

De: PEDRO ALMODÓVAR
Com: TILDA SWINTON
05.04.2021
Por Marcelo Janot
O texto-símbolo das mulheres almodovarianas segue atual

Vem de longa data a obsessão de Pedro Almodóvar por “A Voz Humana”, o monólogo de Jean Cocteau encenado pela primeira vez em 1930, sobre uma mulher depressiva que fala ao telefone com o amante que a abandonou. Em “A Lei do Desejo” (1987), a peça é encenada pelo protagonista Pablo (Eusebio Poncela), que dirige sua irmã Tina (Carmen Maura) em um dos momentos mais bonitos do filme, com direito a “Ne Me Quitte Pas” na voz da brasileira Maysa. “A Voz Humana” retornaria em contexto totalmente diferente no ano seguinte em “Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos”. Almodóvar se valeu da peça de Cocteau como inspiração para a trama cômica que se tornaria o maior sucesso de público da carreira do diretor até então.

Ano passado o diretor espanhol finalmente fez seu primeiro filme em língua inglesa, justamente um curta-metragem chamado “A Voz Humana”, baseado no texto de Cocteau. Estrelado pela atriz Tilda Swinton, o filme remete não só às personagens sofredoras vividas por Carmen Maura como também a diversas outras mulheres de personalidade forte e marcantes na obra de Almodóvar, como a escritora Leo, vivida por Marisa Paredes em “A Flor do Meu Segredo”, que, deprimida após ser abandonada pelo marido, desperta de uma overdose de remédios graças ao toque do telefone. A música de Alberto Iglesias, a fotografia de Jose Luis Alcaine e a direção de arte de Antxón Gómez, colaboradores habituais de Almodóvar, ajudam a fornecer ao espectador uma imediata sensação de familiaridade com o restante de sua filmografia.

A versão de Almodóvar para “A Voz Humana” foi filmada e lançada em plena pandemia (em sessão especial no Festival de Veneza), num momento em que as conversas telefônicas perdem parte de seu caráter anacrônico. Por isso, embora não faça menção à Covid-19, o filme já nasce ressignificado graças às consequências do isolamento social nas relações humanas e afetivas, que ao potencializarem neuroses e rompantes depressivos atualizaram a peça de Cocteau escrita há quase um século.

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