Críticas


JUÍZO

De: MARIA AUGUSTA RAMOS
Com: ALESSANDRO JARDIM, DANIELE ALMEIDA, GUILHERME DE CARVALHO
19.03.2008
Por Carlos Alberto Mattos
MENORES COM ROSTO

Depois de fazer Justiça, Maria Augusta Ramos pensou Juízo como outra página de um mesmo livro. O livro de um sistema judiciário que nem de longe dá conta das imensas contradições e carências que levam jovens das classes menos privilegiadas à rota da infração e do crime. Nas entrelinhas das conversas tensas, dos interrogatórios formalizantes e dos olhares apáticos desses meninos e meninas, fica visível uma enorme desesperança. Uma incômoda sensação de vidas potencialmente perdidas.



Como outra página de um mesmo livro, Juízo mantém o estilo e o método do filme anterior: planos fixos e duros, interferência zero, edição seca nos calcanhares das falas. O que particulariza Juízo é o ousado recurso a “atores” adolescentes para os papéis dos infratores reais. Como a identidade do menor infrator é protegida por lei, o mais comum, nesses casos, é filmar o adolescente com tarjas nos olhos, rosto desfocado ou em ângulos não frontais. Maria Augusta acha que isso transforma as pessoas em números. “Eu queria dar um rosto a esses meninos e meninas, ainda que fosse o rosto de outros”.



A decisão é não só acertada, como muito bem resolvida num perfeito artesanato de decupagem e edição. Guta filmou diversas audiências na Vara da Infância e Juventude, sempre do ponto-de-vista das costas do réu. Em seguida, escolheu os casos mais representativos ou dramaticamente interessantes e passou a procurar adolescentes que tivessem semelhança não apenas física, mas principalmente social com os implicados. Os nove escolhidos viviam em situação de risco e não tinham qualquer envolvimento prévio com as artes dramáticas. “Eles conheciam aquela experiência de perto, através de um irmão, um vizinho, um amigo”, explica Guta.



Na gravação, a diretora fez o papel da juíza e outros assistentes se posicionaram como coadjuvantes da audiência, enquanto os “atores” diziam as falas exatas do infrator. A montagem de campo e contracampo (Guta e Joana Collier, com consultoria de Eduardo Escorel) encarregou-se de criar a perfeita ilusão de continuidade. Com esse artifício de encenação, o documentário aprimora seu efeito de real, num paradoxo fascinante.



Os casos apresentados variam de um mero roubo de bicicleta a um parricídio brutal. Os crimes, porém, acabam importando menos que o quadro de desagregação e violência familiar, intimidade com o tráfico e descrença generalizada no processo de ressocialização. Os “atores” também são levados ao Instituto Padre Severino, conduzindo uma observação do cotidiano paracarcerário, em detalhes que eu, pelo menos, ainda não havia visto no cinema.



Nas últimas cenas, quando os “atores” aparecem em suas próprias casas, mas ainda representando os infratores, a ficção e a realidade se misturam de uma vez por todas. Uma é o espelho da outra. Por vias reversas, tudo em Juízo acaba sendo a pura verdade.



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JUÍZO

Brasil, 2007

Direção e roteiro:
MARIA AUGUSTA RAMOS

Produção: DILER TRINDADE

Fotografia: GUY GONÇALVES

Som direto: PEDRO SÁ EARP, JOSÉ MOREAU LOUZEIRO

Montagem: MARIA AUGUSTA RAMOS, JOANA COLLIER

Edição de som e mixagem DENILSON CAMPOS

Elenco: ALESSANDRO JARDIM, DANIELE ALMEIDA, GUILHERME DE CARVALHO, ISABELA CRISTINA DURÃES, KARINA LOPES, MARCO AURÉLIO SANT´ANA, WILSON DOS SANTOS, IGHOR DOS SANTOS VILLELA, MAICON DA SILVA SINGH

Duração: 90 minutos

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