Críticas


A FLORESTA SILENCIOSA

De: CHEN-NIEN KO
Com: KUAN-TING LIU, KUEI-MEI YANG, TAI-BO
25.10.2021
Por Amanda Luvizotto
Um dos filmes mais complexos e densos presentes na programação da Mostra

A floresta silenciosa, longa-metragem dirigido pela cineasta natural de Taiwan Chen-Nien Ko e disponível na programação da 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, é uma daquelas obras desconcertantes que nos deixam impactados e reflexivos durante dias. O roteiro, baseado em fatos, e escrito pela própria diretora em parceria com a roteirista Pin Chun Lin, conta a história de um jovem com deficiência auditiva que, após conhecer um professor, passa a estudar em uma instituição voltada para crianças e adolescentes portadores da mesma privação. Mas, ao chegar na escola, Chang (em uma excelente interpretação do jovem Tzu-Chuan Liu) percebe que há algo estranho e assustador na dinâmica entre os alunos do local.

A obra aborda questões complexas e problemáticas: a figura da mulher na sociedade oriental; a maneira como essa mesma sociedade e as próprias famílias excluem e não sabem lidar com jovens portadores de deficiência, transformando o ambiente comum a todos em algo inseguro e inóspito para as minorias; a indiferença de educadores perante as necessidades primárias dos alunos; e a incompetência de figuras de autoridade (no ambiente escolar e até mesmo fora dele) em garantir a segurança desses jovens. Porém, sem dúvidas, o que salta na trama é a forma como o abuso - físico, sexual, psicológico - é tratado.

A desconstrução da imagem do abusador não é exatamente uma novidade no cinema. Filmes como Miss Violence, do grego Alexandros Avranas, Promising Young Woman (vencedor do Oscar de melhor roteiro original), de Emerald Fennell, e a premiada série I May Destroy You, da talentosíssima atriz e roteirista britânica Michaela Coel, executam de forma competente tal intenção, trabalhando conceitos como “the nice guy” (“o cara legal”), consentimento e insegurança dentro do ambiente familiar. Outra obra que merece ser citada é o documentário The Hunting Ground, de 2015, dirigido por Kirby Dick, que narra a dificuldade de vítimas de abuso em conseguirem justiça dentro do sistema universitário estadunidense, que não apenas inibe as denúncias, mas também protege abusadores quando envolvidos em atividades de destaque dentro das instituições.

Em A floresta silenciosa, Chen-Nien Ko vai mais além: a cineasta analisa o abuso como ciclo, e não apenas como um episódio entre vítima e algoz. Ao longo da exibição, o espectador acompanha a perversidade e as consequências de um ato de assédio, levando ao extremo os princípios da psicologia forense que dizem que “um abusado pode tornar-se um abusador” ou, ainda, que a maioria dos abusadores já sofreu alguma violência similar. É claro que os efeitos de um episódio dependem das particularidades de cada vítima, e isso também é abordado. Enquanto alguns personagens tentam aniquilar a violência que se perpetua no local, outros acabam tornando-se parte ativa dela.

Como se não fosse suficiente tratar de um assunto tão denso, a obra o desenvolve em conjunto com elementos como negligência, burocracia, falhas do sistema de ensino, preconceito e senso ético, através de um elenco formado majoritariamente por crianças e adolescentes, ou seja, apresentando a temática também por essa perspectiva. Ao longo dos quase 110 minutos de duração, acompanhamos personagens com arcos sendo construídos, desconstruídos e reconstruídos em uma trama em que não há espaço para a dicotomia bem X mal. Estas são, na realidade, as grandes reflexões propostas por Chen-Nien Ko em seu trabalho: Quais são as verdadeiras vítimas ou os verdadeiros algozes diante de uma situação de abuso? É possível findar um ciclo desta magnitude? O que é necessário?

A floresta silenciosa é um dos filmes mais complexos e densos presentes na programação da Mostra. Deve ser visto com cautela, já que possui fortes gatilhos dos mais diferentes tipos e níveis. Sua conclusão não busca trazer alívio ao espectador; pelo contrário, incita novos questionamentos. No que diz respeito à técnica, chama atenção o excelente trabalho de som, já que grande parte da comunicação do longa se dá por meio da língua de sinais e da interação entre personagens portadores e não portadores de deficiência. A escolha dos ângulos de câmera  também se destaca, já que os efeitos são transmitidos sem que aconteça exposição desnecessária do elenco em cena.

Um difícil, complexo e bem executado trabalho de Chen-Nien Ko, mas que sem dúvidas não é o tipo de produção palatável para o grande público.

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