Críticas


SANGUESSUGAS

De: JULIAN RADLMAIER
Com: ALEKSANDRE KOBERIDZE, LILITH STANGENBERG, ALEXANDER HERBST
29.10.2021
Por Carol Ballan
Os excessos propositais de atuação e direção de arte combinam com o tom de farsa

É raro que um filme seja tão honesto em seu título sobre o seu conteúdo quanto Sanguessugas: Uma comédia marxista sobre vampiros, disponível na 45ª Mostra de Cinema de São Paulo. E é uma promessa completamente cumprida quando a obra se desenvolve.

A narrativa se inicia com um grupo de discussão sobre O capital, de Karl Marx, exatamente no momento em que se tira uma dúvida sobre uma de suas passagens mais místicas: a comparação de que o capital seria como uma horda de vampiros, na medida em que precisa sugar o trabalho vivo e que, quanto mais suga, mais precisa continuar nesse movimento. A partir dessa introdução, a trama começa a se desdobrar, e a metáfora da fala se torna clara assim que conhecemos os personagens principais da história: Octavia, a jovem rica, filha de capitalistas e que vive do dinheiro dos pais; o Barão, russo que foge da União Soviética por conta de seu desejo de continuar atuando; e Jakob, uma espécie de servo de Octavia e que nutre uma paixão secreta por ela.

A trama se desenrola quando Octavia e Jakob encontram o Barão na praia e passam a conhecer sua história, com a jovem se interessando pelo seu passado ao mesmo tempo que conta sobre seu modo de vida luxuoso. Em um segundo momento, o foco passa a ser Jakob e suas tentativas de conquistar sua patroa, e a subtrama do vampiro que ronda a cidade ganha destaque quando o rapaz percebe uma mordida em seu pescoço.

Assim que começamos a conhecer suas histórias mais a fundo, o triângulo amoroso ganha contornos mais firmes e a crítica da cena inicial, complexidade. A obra de Marx pulsa do roteiro e percebemos que, exceto a capitalista-vampira, quase todos os personagens são inconscientes de sua posição de explorados, em uma fetichização das relações pelo dinheiro, como sugerida pelo filósofo e economista ao mostrar que uma das últimas consequências do capitalismo é a falta da compreensão de que todas as trocas comerciais são trocas entre seres humanos. O longa-metragem se inicia abordando o tema central da exploração do trabalho de maneira mais tímida, com os vínculos entre os personagens sendo formados e o mito do vampiro que ronda a cidade sendo discretamente inserido na narrativa. Conforme ele avança e essas relações se complexificam, se torna perceptível que a sua tese já estava contida na primeira cena, com o elemento vampírico do capitalismo acusado como o grande vilão - e de maneira física, além de metafórica.

Além disso, a obra traz humor tanto por meio de diálogos quanto a partir de elementos visuais, com as cenas que envolvem o Barão e suas alusões ao cinema soviético e Sergei Eisenstein como um dos pontos altos. Há inúmeros momentos de referência à sétima arte, nessa relação entre diretor e ator e também na piscadela dada ao público quando Octavia decide fazer um filme de vampiro com o Barão, e percebemos que a estética apresentada é muito semelhante à do expressionismo alemão, seja por seus exageros na encenação, seja pelo contraste entre luz e sombra ou pelos truques utilizados para simular cenários com pinturas. Considerando que o filme se passa em 1928, é impossível não fazer relação com o clássico Nosferatu, de F.W. Murnau, mas atualizando-o ao trocar o vilão estrangeiro pela charmosa capitalista.

Os excessos propositais de atuação e direção de arte combinam com o tom de farsa, elevando o que poderia ser considerado piegas a uma excelente manifestação artística. Mesmo nos momentos iniciais, em que a obra ainda está encontrando seu ritmo, são esses fatores que possibilitam o embarque do espectador na proposta do longa, com todas as cenas apresentando detalhes visuais estimulantes.

Além de uma grata surpresa na programação da Mostra, o filme apresenta ao público o potencial de Julian Radlmaier, ainda mais se considerarmos que este é apenas seu quarto longa-metragem como diretor.

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