Críticas


PRIMEIRO ENCONTRO

De: MANUEL CROSBY e DARREN KNAPP
Com: TYSON BROWN, SHELBY DUCLOS, JESSE JANZEN
31.10.2021
Por Luiz Baez
Os anos 90 em um liquidificador

Se, em um exercício de especulação, imaginarmos o processo criativo de Primeiro encontro (First Date, 2021), será preciso uma dose de humor para tentar entender aquilo que vemos: não porque a comédia do filme funcione, mas porque sua concepção mais parece uma piada. Com um pouco de esforço, podemos restituir as reuniões da equipe, em que cada participante contribuiu com referências narrativas e visuais ao cinema de ação estadunidense dos anos 1990 (em especial Tarantino e sua “nostalgia analógica”, com a profusão em tela de tecnologias passadas, mas cuja citação se insere, neste caso, em uma fotografia digital e pouco inventiva); tais inspirações, uma vez compiladas, perderam suas características mais reconhecíveis e, como frutas e legumes descascados, foram processadas em um grande liquidificador. Essa mistura, antes de chegar à mesa (ou à sala) do cliente, tinha de ganhar uma nova roupagem: caso se tratasse apenas da releitura de um conhecido produto, afinal, qual seria o seu atrativo? Então, como as lanchonetes que renomearam suas batidas como shakes, os diretores e roteiristas Manuel Crosby e Darren Knapp pintam a sua reciclagem amorfa dos anos 1990 com um verniz contemporâneo.

Neste sentido, a dupla de cineastas não passa ao largo das discussões correntes sobre a representação de raça e gênero: adota um protagonista negro e brinca com as expectativas em torno das personagens femininas. Na cena imediatamente posterior aos créditos iniciais, por exemplo, mãos envoltas por bandagens golpeiam um saco de pancadas; somente mais tarde, em um plano aberto, a câmera revela Kelsey (Shelby Duclos), a “mocinha” que escapa de quaisquer estereótipos de vulnerabilidade – substantivo mais apropriado ao seu par romântico, Mike (Tyson Brown). É ela, inclusive, que convida o tímido menino para o primeiro encontro aludido pelo título. Além dessa ocasião romântica (mencionada desde o prólogo, quando se ouve uma conversa telefônica entre um fugitivo e sua namorada), outro elemento reúne núcleos narrativos diversos: um Chrysler de 1965, carro cujo modelo uma policial consegue adivinhar antes e depois do fracasso de dois homens que se supunham entendedores. Esse diálogo entre a obra e seu (e nosso) tempo, no entanto, se perde em meio a mais uma influência dos anos 1990: a aceleração excessiva da montagem, oriunda sobretudo do videoclipe; o que, junto às falas nada orgânicas e enunciadas com uma pressa injustificada, se reverte em uma experiência enfadonha.

Se as aproximações entre as personagens soam gratuitas, tendo em comum apenas a vivência do primeiro encontro e um Chrysler, ainda menos engenhosa é a forma como o roteiro traduz essas “coincidências”. Uma delas é quando Mike decide comprar o carro porque descobre, “por acaso”, um toca-fitas com as músicas de Jackson and Jackie, que há pouco escutara na ligação de Kelsey. Tamanha “casualidade” talvez explique também o cruzamento “fortuito” com os antigos donos do mesmo Chrysler em uma rodovia. Em outros momentos, quando assume tom caricatural, o longa-metragem ao menos não dissimula sua construção absurda, embora jamais alcance a comicidade ou a tensão almejadas, seja com seus “vilões” (traficantes amantes de VHS e membros de um “clube do livro” que perseguem o casal) ou com seu clímax (uma troca de tiros filmada e montada sem muito esmero). Ao fim da sessão, para aquelas e aqueles que resistirem, First Date reserva mais constrangimentos que os verdadeiros primeiros encontros.

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário