Críticas


MADRE

De: RODRIGO SOROGOYEN
Com: MARTA NIETO, JULES PORIER, ALEX BRENDEMÜHL
28.11.2021
Por Maria Caú
Um belo e inesperado encontro para um espectador desavisado

Um dos prazeres que o crítico de cinema acaba perdendo por conta de seu ofício e tenta em vão recuperar é o prazer de assistir a um filme sem saber qualquer informação técnica sobre ele, o histórico de seus realizadores ou as impressões que ele já causou internacionalmente, como prêmios ou reações. Ainda que tentemos com afinco voltar a esse estado de tábula rasa, é parte do nosso trabalho nos mantermos informados sobre assuntos e temas que não o permitem. Por isso é tão interessante, de vez em quando, em geral no espaço de um festival ou de uma curadoria, encontrar um filme do qual se sabe muito pouco e se deixar surpreender inteiramente, uma experiência tão comum para o público e cada vez mais inacessível para nós. Pois Madre, coprodução de Espanha e França, me deu essa alegria. O filme se baseia, soube depois, no curta-metragem homônimo, e segue a trajetória da espanhola Elena (uma comovente e contida Marta Nieto), que passa por um trauma incalculável ao atender a ligação do filho de seis anos, deixado sozinho numa praia francesa pelo pai. Perdido e sem saber para onde ir, o menino pede a orientação da mãe, que tem pouquíssimos recursos para ajudá-lo nessa situação de pesadelo. Após o sumiço da criança neste episódio, Elena segue vivendo nas cercanias de seu desaparecimento, e por dez anos busca o paradeiro do filho ou estar de alguma forma próxima a ele. É nesse contexto que conhece um adolescente de idade semelhante à do filho com o qual desenvolve uma relação que caminha na área cinza entre a amizade maternal e o desejo sexual/amoroso.

O filme, obviamente, trata de uma questão polêmica, e as reações do público deixam claro o incômodo dessa escolha, mas o faz a partir de uma bela construção psicológica da personagem central, de forma que os motivos profundos de suas (más) escolhas são inteiramente acessíveis ao espectador, que se vê totalmente investido no drama de Elena. Esse investimento é aprofundado por uma fotografia precisa, que se funda em planos longos, a começar por um plano-sequência compassado, que segue num crescendo que tira o fôlego do público. Os planos-sequência, mesmo aqueles muito abertos, que retratam as cercanias da praia em que Elena vive, vão aos poucos enclausurando os personagens, se aproximando deles como se os sentenciassem, os confinassem ali mesmo, nesses ambientes de aparente liberdade e tranquilidade. Como se falassem sobre a impossibilidade de reverter o passado e as decisões já tomadas.

O roteiro é belamente construído, e o desfecho muito adequado, com uma inteligente cena espelhando a sequência de abertura, a um só tempo surpreendente e precisa. Um belo e inesperado encontro para um espectador desavisado.

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Outros comentários
    5241
  • Luiza Alvim
    02.12.2021 às 15:49

    Finalmente vi o filme e pude ler sua crítica mais de dois anos depois!