Críticas


50 ANOS de “SÃO BERNARDO”, o filme

18.12.2021
Por Ely Azeredo
Decano da crítica cinematográfica, Ely Azeredo lembra os 50 anos de SÃO BERNARDO, filme de Leon Hirszman

Ao realizar A Falecida (1965), versão da peça de Nelson Rodrigues, o cineasta Leon Hirssman (1937-1987) conseguiu estabelecer um clima de aprisionamento, válido sob o clima sócio-psicológico além da "conta" do texto de origem - ao qual Fernanda Montenegro adicionou com sua criatividade. Com São Bernardo, baseado no romance de Graciliano Ramos - embora não isento de uma cota de equívocos do Cinema Novo - ele incorpora uma parte da herança ainda válida desse movimento. Despojando-se dos "transes" esteticistas do CN, Hirszman aproxima-se de Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, pelo ângulo da fidelidade de Graciliano à sua arte e ao seu povo.

De novo o Nordeste (com os olhos daqui e não de Cannes) se apresenta como o Brasil mais reconhecível; como o reflexo de nossas dores e não daquilo que gostaríamos de ver em nossa face. Como Nelson diante das páginas de Vidas Secas, Hirszman encontrou no próprio livro um roteiro perfeito, que comportava apenas a eliminação de textos descritivos, cinematograficamente dispensáveis.

Hirszman atribuiu às difíceis condições materiais de produção muito do que se apresenta precário ou insatisfatório. Filmado em 1971, São Bernardo só pôde ser finalizado em 1972. O conflito com a Censura por cortes descaracterizadores atrasou o lançamento nacional - que só se deu em outubro de 1973.

O diretor-roteirista se disse "intérprete da canção de outro compositor". fiel ao essencial. A coisificação do personagem de Vidas Secas corresponde agora à do protagonista-narrador Paulo Honório (Othon Bastos). Sertanejo que dedicou sua vida à acumulação de capital, tornou-se um construtor de riquezas, transformando a natureza e reerguendo uma fazenda em decadência, mas ao mesmo tempo "liquidando" todas as formas humanas para alcançar esse objetivo. Ele se reifica na medida em que se torna cada vez mais proprietário, a ponto de praticamente tentar comprar uma esposa.

Paulo Honório vai reconhecer sua coisificação econômica depois que a tragédia abala sua superorganizada existência, mas sem consciência do processo de autodestruição no papel de construtor. Daí a fúria seca, a frieza na rememoração de atos e pessoas, a despreocupação com uma comunidade que não a de suas obsessões.

Hirszman encontrou a correspondência adequada a essa escritura: a narrativa-filme responde com impressionante exatidão, frequentemente, às solicitações do texto.

A rigor, o despojamento na composição dos planos não poderia ser mais feliz. Mas as imposições do esteticismo enclausuram os planos, muitas vezes em um tempo que só o equívoco ou a adoração da imagem podem explicar. Ao mesmo tempo em que é fiel ao encarceramento sociopsicológico do protagonista, diluindo em parte a força do original - pela omissão de circunstâncias paralelas que o tornam mais patético.

O cineasta fez o protagonista repetir as palavras do livro em um de seus momentos mais expressivos, quando a volúpia da posse e do arbítrio se confundem no espírito de Paulo Honório com um sentimento religioso ("quinze metros acima do solo experimentamos a vaga sensação de ter crescido quinze metros". Mas suas palavras não conseguem transmitir uma fração da derrisória ascese do personagem, do momento em que, "sentindo-se em paz com Deus", ele acaba de tecer a teia de sua pequenez de inseto.

Do muito que se deve dizer sobre os valores da equipe de São Bernardo, impõe-se adiantar uma palavra sobre Isabel Ribeiro: o mistério de Madalena (a esposa), e o que é belo no universo que não chega a impregnar as imagens do filme. estão na inesquecível interpretação da atriz.

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário