O título brasileiro é a tradução exata do original e pode deixar o espectador certo do que vai acontecer entre os personagens centrais, Simon e Charlotte. Ou em dúvida, tal a evolução do relacionamento entre eles nos dois terços iniciais do filme. A parte final vai esclarecer a possível dúvida ou confirmar que tudo é passageiro? Aparentemente, talvez. Mas em questões amorosas existem certezas? Os filmes de Emmanuel Mouret sugerem que não.
Neste, uma conhecida piada narrada casualmente por Simon na segunda cena do filme, mesmo que ele antecipe que talvez nem seja muito engraçada, pode ser uma dica do que o cineasta pensa sobre como se desenvolvem as relações amorosas: uma pessoa vai verificar para um motorista se o pisca-pisca traseiro do automóvel está funcionando. E informa ao outro que “está, não está, está, não está, está....” O que “acontece-não-acontece-aconteceu-não-aconteceu”, seja na maior parte do filme, seja no terço final?
A premissa acordada pelos personagens centrais é a mesma de muitos outros filmes: vamos nos relacionar apenas sexualmente, apaixonar-se não é uma coisa tão boa como dizem, o que importa é usufruir da liberdade dos encontros de nossos corpos, já que tivemos e mantemos atração mútua. Um afeto mais intenso, o amor, é, portanto um risco indesejado.
Dramas como Intimidade (Patrice Chérau, 2001) ou O Último tango em Paris (Bertolucci, 1972) mostraram a quebra desse tipo de “contrato” quando uma das partes quis ir além do combinado, acabando em tragédia (“Último tango”) ou em amargo drama burguês (“Intimidade”). Esqueçam: Emmanuel Mouret filma seus roteiros em outro tom e quase ilude com a aparência de “mais uma comédia romântica”. Sua preferência está em narrativas com leveza, permitindo, entretanto, reflexões contemporâneas sobre as armadilhas dos afetos quanto mais se pretenda evitá-los - ou quando nos acreditamos imunes a tais “desvios”.
Em princípio, os tipos do casal central parecem bem definidos: Simon (Vincent Maicagne) é quase como uma “moça de antigamente” ao tentar iniciar um caso extraconjugal, enquanto Charlotte (Sandrine Kiberlain) é a mulher decidida e convicta no modo de viver o sexo, quase no estereótipo do macho que toma a iniciativa de tudo, um conquistador descompromissado.
A dupla de atores é daquelas que mereceriam um crédito de coautoria no filme: impossível imaginar outros intérpretes dizendo os diálogos que nos fazem sorrir sem escorregar no menor traço de ridículo - o que seria um risco, especialmente no caso de Vincent Maicagne. Ele lembra alguma coisa da persona dos tipos hesitantes face às mulheres que Woody Allen encarnava numa fase de sua carreira, ao mesmo tempo em que em algum momento ele vai precisar adotar outro tom diferente, sendo o mesmo personagem mas numa fala que não-repete-mas-até-repete-ou-não as mesmas coisas que sempre disse. Quase uma nova versão para “A Fera na Selva”, de Henry James.
A ‘Charlotte’ de Sandrine estabelece uma “química” com ele que não é a “química” igual às de tantas outras atrações cinematográficas banais, mas a de um dueto de interpretações convincentes pela coisa “desajeitada” que muitas vezes se passa entre eles. Embora não faltem os momentos românticos em campos abertos ou na cama, mas sem que haja qualquer instante minimamente explícito sexualmente, nem mesmo quando pretendem realizar uma fantasia mais ousada.
Os diálogos ficam ainda mais curiosos quando sugerem uma D.R. entre amantes em vez de rolar num casal casado e estável. Mas um filme que eles vão ver juntos é Cenas de um casamento, Bergman, de 1974. Não se assustem, é apenas uma referência distante.
A trilha musical pontua bem os caminhos do enredo, mesmo quando recorre a temas que poderiam soar “clichês” - como um trecho da “Sonata Fácil” de Mozart para piano. Ou sons nem tão conhecidos, como as músicas de Anoushka ou/e Ravi Shankar (nestes casos, semrpe diegéticas). Também a canção "La Javanaise", de Serge Gaisnbourg, ouvida na abertura e no final do filme foi uma escolha feliz: sua letra parece até ter inspirado o enredo e seria ótimo se fosse (bem) traduzida nas legendas.