DVD/Blu-ray


CRÔNICA DE UM VERÃO

18.04.2008
Por Carlos Alberto Mattos
O VERÃO QUE MUDOU TUDO

Até agora havia duas formas de se ver Crônica de um Verão com legendas em português por aqui: ou em trânsfugas cópias VHS que mais pareciam um borrão em movimento, ou num DVD restrito aos freqüentadores da videoteca da Maison de France. O recente lançamento da Videofilmes, portanto, é de se festejar com fanfarras.



Jean Rouch e Edgar Morin postularam ali pelo menos 50% do que interessa saber sobre o documentário moderno. O resto ficou com os estadunidenses do cinema direto e tudo o que viria depois como rastro desses dois cometas. Várias revoluções chegavam juntas naquele começo dos 1960. A conquista do som direto tornava a pista sonora tão importante quanto a imagem, além de consagrar o momento da filmagem como o mais decisivo. O advento das câmeras leves levava o doc para as ruas, ao encontro da vida mesma. Morin e Rouch, ao instituir a própria realização do filme como tema, criavam a reflexividade e integravam o documentarista como objeto do filme.



Não se tratava mais de “dizer” a verdade, como no doc tradicional, nem mesmo de “flagrar” a verdade, como no direto dos EUA. Como dizia o importantíssimo Michel Brault, um dos quatro fotógrafos do filme, “a câmera não revela a verdade, mas mostra coisas que revelam em cada um a sua verdade.”



“O senhor é feliz?”, pergunta Marceline Loridan (ex-prisioneira de campo de concentração e futura Sra. Joris Ivens) aos transeuntes de Paris. Crônica de um Verão tem também uma estrutura revolucionária. A partir do triângulo Rouch-Morin-Loridan, outros personagens vão sendo apresentados entre si e incorporados ao filme, numa espécie de pirâmide. Um operário da Renault, um imigrante da Costa do Marfim, uma secretária da Cahiers du Cinéma, uma pinup de St. Tropez, amigos e parentes dos realizadores.



Os temas evoluem da malaise individual burguesa para questões do mundo operário, racismo, conformismo, Guerra da Argélia, memórias ainda relativamente frescas da II Guerra Mundial. Longínquas sementes de 68 se espalham pelas falas. Monta-se um sociodrama que termina em catártica sessão de cinema onde os personagens discutem o filme feito até ali. E os diretores arrematam com mais uma derradeira conversa onde tudo é deixado em aberto para futuros verões.



Esse clássico de choque do doc mundial chega em DVD acrescido de faixa comentada, onde Eduardo Escorel e Eduardo Coutinho, secundados por este docblogueiro, contextualizam o filme no sentimento e no estágio técnico da época. Coutinho, que no verão de 60 vivia em Paris, também destila seu ceticismo amoroso em relação ao projeto do cinema-verdade. O disco vem acompanhado de um livreto com textos-chave de Morin e Rouch, traduzidos e editados por sugestão de Escorel.

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