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DUAS MANEIRAS DE SER CULT

23.02.2010
Por Marcelo Janot
DUAS MANEIRAS DE SER CULT

Onde Vivem Os Monstros, de Spike Jonze, e Um Olhar do Paraíso, de Peter Jackson, são filmes com um baita potencial para se tornarem cult. Ambos levam a assinatura de diretores consagrados por obras independentes criativas como Quero Ser John Malkovich (Jonze) e Almas Gêmeas (Jackson). Ambos são baseados em best-sellers cultuados e considerados de difícil transposição para as telas. Ambos apresentam universos de fantasia, um na visão de uma criança, outro na visão de uma adolescente.



Apesar de tantas coincidências, Onde Vivem Os Monstros e Um Olhar do Paraíso são filmes com resultados bem diferentes. Spike Jonze pegou um livro infantil e fez um maravilhoso filme adulto, capaz de encantar também as crianças. Peter Jackson pegou um livro adulto e acabou, involuntariamente, fazendo um péssimo filme adolescente, decepcionante para os adultos.



Jonze nos mostra que viajar pela psique de um menino de 9 anos pode ser tão fascinante quanto adentrar a mente de John Malkovich. O refúgio usado por Max para escapar do seu indesejado cotidiano real é uma ilha habitada por monstros de aspecto bonachão e nada ameaçador, que logo o consagram rei. O convívio com as criaturas permite que ele compartilhe, inconscientemente, suas frustrações, inseguranças e expectativas, já que os monstros reproduzem aspectos emocionais e psicológicos das pessoas que convivem com Max na vida real. Parece simples, e é. Mas é também instigante, enigmático, poético, e sobretudo delicado – nas imagens, nas atuações, na belíssima música de Karen O.



Num futuro próximo, Onde Vivem Os Monstros será cultuado como um daqueles filmes em que os fãs vão querer ver e rever como criança, mas para degustarem intelectualmente como adultos.



Peter Jackson, por outro lado, quer nos mostrar como uma adolescente de 14 anos enxerga as circunstâncias de sua própria morte e se prepara para a vida no além. Ao mesmo tempo em que a presença espiritual da menina ajuda aqueles que ficaram no campo terreno a desvendarem as circunstâncias de seu assassinato, ela precisa ser recompensada de alguma forma – afinal, a morte aconteceu quando ela estava prestes a dar seu primeiro beijo na boca, no garoto mais bonito da escola! A vida não pode ser tão injusta – é preciso que a morte traga alguma recompensa. Peter Jackson embarcou em uma viagem espiritual pelo pior caminho possível – o do sentimentalismo barato, da cafonice explícita, da auto-ajuda de supermercado. E a sua grandiosa e caríssima produção, recheada de efeitos especiais, ficou com a cara de um comercial de plano de saúde veiculado nas TVs brasileiras.



Enfim, no futuro, Um Olhar do Paraíso vai ser cultuado pelos motivos opostos aos que todo realizador deseja: por fazer rir de constrangimento onde deveria emocionar, pela breguice extrema, pelas situações e diálogos inacreditavelmente ruins – que de tão ruins, acredite, até divertem.

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