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NO CORAÇÃO DO MUNDO

13.06.2012
Por Carlos Alberto Mattos
UM ELOGIO DA DISCRIÇÃO

Não sei como são as aulas de Denilson Lopes na Escola de Comunicação da UFRJ. Mas se forem parecidas com os ensaios reunidos em No Coração do Mundo (Rocco, 2012), o prazer será todo de seus alunos.



No livro, Denilson frequenta a bibliografia básica dos estudos contemporâneos de cinema – Deleuze, Agamben, Bordwell, Stam, etc – e teóricos da globalização e da transcultura como Appadurai, Canclini, Zizek e Silviano Santiago, mas sua argumentação pode bem trafegar por uma letra de Lobão e desaguar num poema de Drummond. Pode arrebanhar uma máxima de Beckett e cruzar com Cry Me a River. No planeta hipermapeado da reflexão acadêmica, Denilson se dá o luxo de flanar.



No Coração do Mundo se ocupa de uma constelação de filmes e autores quase evanescente. Obras que traçam paisagens transculturais, tramas que lidam com a diáspora e o desaparecimento, diretores que trabalham com a rarefação, o comum e o cotidiano. Nada que seja fixo, sólido ou grandioso parece lhe interessar. Os ensaios analisam filmes de Claire Denis, Wong Kar-Wai, Karim Aïnouz, Jia Zhang-Ke, Abderrahmane Sissako, Tsai Ming Liang, Esmir Filho, Atom Egoyan e outros, à luz de “mestres do menos” (a expressão é minha) como Yasujiro Ozu e Robert Bresson. Numa fértil intercessão com obras literárias como Bartleby, o Escrivão, de Herman Melville, Uma Vida em Segredo, de Autran Dourado, e Stella Manhattan, de Silviano Santiago, Denilson faz o elogio da discrição:



“Desaparecer cada dia o melhor possível talvez ecoe como um desafio ético quando todos querem ser visíveis, presentes, cada vez e a todo momento mais intensos para provarmos que existimos, para conquistarmos algo, alguém, um lugar.”



Por esse trecho percebe-se que o autor está a milhas de uma ensaística carrancuda. Expressa num cruzamento permanente de referências e ressalvas, sua erudição não marcha por corredores assépticos de universidades, mas deixa-se passear por alamedas arborizadas por poemas, músicas e deambulações essencialmente líricas. Além, e principalmente, por uma enunciação bastante pessoal – um eu no exercício de pensar. As intenções, as hesitações e as retomadas estão explícitas no texto, às vezes como num livro íntimo de notas.



“O vento nas árvores, visto pela vidraça, não faz barulho. Os galhos, as folhas suaves se movem. Uma onda verde cruza o ar. Não me pertencem. Estou do outro lado, em outra margem”.



Essa outra margem pode guardar relação com uma sensibilidade homossexual que vê o mundo e os afetos através de frestas. Não diria que No Coração do Mundo é um estudo gay, pois ele transcende rótulos e gêneros. Mas o encaminhamento de opções e percepções faz certamente da sensibilidade homossexual um ancoradouro para os vários barcos que singram através do livro. Na escrita atraente e acolhedora de Denilson Lopes, um certo cinema contemporâneo adquire sentido de unidade e de propósito.

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